Pele: os manuscritos do Mar Morto na gênese da linguagem visual de Walter Goldfarb

 

Pele: os manuscritos do Mar Morto na gênese da linguagem visual de Walter Goldfarb 

O pintor carioca celebra 30 anos de carreira com mostra retrospectiva

Mais de 80 obras serão apresentadas nos espaços do Palácio dos Correios, edifício histórico que completa 110 anos de fundação em Niterói

 



A partir do dia 11 de maio, a retrospectiva Pele: os manuscritos do Mar Morto na gênese da linguagem visual de Walter Goldfarb ocupará os 410 metros quadrados de área expositiva do Palácio dos Correios de Niterói que, desde 2014, abriga o Espaço Cultural Correios. A individual celebra os 30 anos de carreira do artista plástico carioca e marca os 110 anos de fundação do prédio em estilo eclético, tombado como patrimônio histórico.

 

Nas sete salas e no hall de entrada, estarão reunidas cerca de 90 obras, sendo a maioria de três séries realizadas entre 1994 e 1998: “Pergaminhos”, “Iluminuras” e “Teatros bíblicos”, que serão exibidas pela primeira vez em conjunto. São pinturas (muitas em escala monumental), desenhos, aquarelas, esculturas e pergaminhos agrupados a partir de suas relações plásticas e históricas, pertencentes ao acervo do Instituto Walter Goldfarb, em fase de construção. Entre as técnicas empregadas, destacam-se processos alternativos como impressão a fogo, bordado em cânhamo e o uso de piche e couro de vaca sobre aninhagem e lona.

 

Nestes trabalhos, o artista discute a relação da escrita com a geometria e a figuração. A gênese de sua linguagem visual e material vem do fascínio pela caligrafia dos antigos escribas nos pergaminhos envelhecidos do Velho Testamento, bem como das iluminuras da Idade Média e das partituras escritas à mão pelo pai violinista, já falecido. A pintura de Goldfarb – exibida em diversas instituições no Brasil e em países como Espanha, Itália, Portugal, EUA, México, Venezuela e Chile – traz símbolos do cristianismo amalgamados a composições abstratas que dialogam com o inventário estético muçulmano e hebreu.

 

A seleção foi realizada pelo próprio artista, partindo de seu olhar sobre a coexistência entre os povos, com peças fundamentais para o desenvolvimento da linguagem visual que atravessa a sua produção até os dias atuais. A maioria já apresentada individualmente em exposições institucionais – como Projeto Macunaíma, da Funarte (1996); e Antarctica Artes com a Folha, mostra paralela à 23º Bienal Internacional de São Paulo (1996) – que marcaram o início da carreira de Goldfarb, hoje legitimada por importantes críticos como Fernando Cocchiarale, Lisette Lagnado, Luiz Camillo Osório, Paulo Herkenhoff e Reynaldo Roels.

 

“São obras pontuais que pautam o desenvolvimento de uma linguagem muito particular, são documentos físicos que contêm o DNA do meu processo criativo e conceitual. Foi através da pintura que busquei entendimento da minha forma de ser e estar no mundo”, afirma Walter. “Interessante que, à medida em que fui compondo essa curadoria, os trabalhos revelaram camadas muito profundas de significado. E uma série de questões, até então subtraídas pelo meu inconsciente, veio à tona. A partir daí, houve uma ressignificação que trouxe mais espessura às obras e fiz questão de reuni-las, travando um novo diálogo e criando uma fricção entre elas, tanto sob a perspectiva visual quanto pelas histórias e memórias que evocam”. 

 

Buscando minha alma (1995), da série “Iluminuras”, em carvão, verniz, óleo, pigmentos e ação do fogo sobre lona crua, é a obra que recebe o visitante à entrada da exposição. Nas salas a seguir, chamam a atenção trabalhos de grandes dimensões como a pintura-pergaminho Mezuzá, da morte dos primogênitos (148 X 638 cm), de 1996. A peça é ladeada por um conjunto de 20 esboços preparatórios e 2 pequenos pergaminhos-objetos exibidos na 26º edição do Arte Pará, em 2007, em diálogo com obras da suíça radicada no Brasil, Mira Schendel, sob a então curadoria de Paulo Herkenhoff.

 

A seleção apresentada na retrospectiva inclui, também, um conjunto de 30 pinturas-aquarelas de pequeno formato, sobre partitura e papel cartão, produzido entre 2017 e 2022. Nestes trabalhos recentes, o artista se utiliza de vários materiais e procedimentos presentes nas séries “Pergaminhos”, “Iluminuras” e “Teatros Bíblicos’, que marcaram o início de sua carreira.

 

Há, ainda, quatro pinturas embrionárias – da época em que Goldfarb estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde mais tarde se tornou professor – e cinco esculturas sincretistas com diamantes, pedras preciosas brasileiras, ouro, prata, pérolas, cristal, seda, veludo, crucifixos, caroços de azeitonas e bala de fuzil acondicionados em redomas de vidro soprado à mão, sobre mármore de carrara.

 

Segundo Walter, as obras apresentadas abordam a convivência e os pontos de contato entre as três religiões monoteístas abraâmicas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, através das sagradas escrituras do Velho e do Novo Testamento, e da história dos povos árabes.

 

“Nas minhas pinturas, a lona crua não é tratada para receber camadas de tinta. Isso evidencia a testagem dos limites de resistência da trama desse suporte. Não por acaso, as lonas são, para mim, como peles e territórios”, revela Goldfarb, que fabrica artesanalmente as próprias tintas. “Na minha ‘cozinha de ateliê’, a tela é provocada a reagir, protagonizando tanto o resultado visual quanto físico das pinturas. Essas são as minhas escrituras, marcadas a ferro e fogo na lona crua, da qual me utilizo para pensar o passado, questionar o presente e imaginar um futuro mais afetuoso. Sagradas ou não, evocam, numa parcela de minha produção, a urgência em acreditar no Homem”, diz o artista.

 

Resultará da exposição um catálogo com organização e apresentação da filha mais nova do artista, Lia Mizrahi-Goldfarb, graduada em Filosofia e Estudos Teatrais pela Universidade Livre de Berlim, e mestranda em Filosofia na mesma entidade, paralelamente à sua atividade no audiovisual com foco documental. A publicação vai contemplar as conversas entre Walter e a filha, para a elaboração da análise crítica da exposição e suas percepções sobre o exercício de ateliê do pai.

“Com 60 anos, Goldfarb relembra suas origens artísticas e deixa nítida a estrutura contínua de sua obra: a lona crua, o carvão e as grandes escalas. Os diversos tons de bege trazem associações – desde um livro-antiguidade até as areias do deserto – e ajudam Goldfarb a desenhar imagens que, num primeiro olhar parecem abstratas, mas rapidamente permitem a visualização de cenas. Em O sacrifício de Isaac (série “Pergaminhos”, 1995) ou Do dilúvio a Babel (série “Pergaminhos”, 1994), por exemplo, basta se abrir aos traços desenhados, que os mesmos se tornam símbolos vinculados à temática, preservando o espaço da interpretação e fantasia”, comenta Lia. “Empolgante será ver essas obras pela primeira vez reunidas e entender como se complementam ao dividir a mesma dimensão, mantendo simultaneamente sua própria individualidade”.

Mais sobre o artista

 

Consagrado por sua linguagem autêntica, Goldfarb é um alquimista que mescla dois processos geralmente antagônicos na produção contemporânea: o fazer artesanal no exercício diário de ateliê, nos moldes dos mestres da Renascença e dos tecelões da Idade Média; e o das vanguardas contemporâneas, preenchendo suas lonas de histórias e conceitos. Técnicas inusitadas, como o alvejamento das telas em tanques com água sanitária e vinagre (para posterior cura da pintura acelerada com o calor da luz halógena), também são recorrentes em sua prática.

 

Para além do vasto repertório cultural e imagético do artista, sua produção é marcada pelas telas de grandes dimensões e técnicas incomuns. Suas pinturas são construídas com lavagens e raspagens químicas de centenas de bastões de carvão, tingimentos em tie-dye. Diversas técnicas de bordado realizadas de próprio punho pelo artista sobre a lona crua e espessa, com o fio extraído da lona e de outras procedências, completam o processo. Sua produção contempla esculturas-objetos em pedras, metais preciosos e materiais alternativos.

 

No Brasil, seu trabalho integra diversas coleções relevantes, particulares e institucionais, como as do Museu de Arte do Rio (MAR), Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio) e Museu Nacional. No exterior, o artista se destaca nas paredes do Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Lisboa / Coleção Berardo; Museu de Arte de Miami / Perez Art Miami Museum (PAMM); e Culturgest/ Coleção da Caixa Geral de Depósitos de Portugal, dentre outras.

 

Em 2010, Walter Goldfarb foi escolhido, pela Academia Latina de Gravação de Hollywood, o artista visual da 11ª edição do prêmio Grammy, em Las Vegas. Sua obra Uma paixão no Jardim Lisérgico ilustrou a capa do catálogo dos nomináveis, milhares de ingressos e o pôster oficial do evento.

 

Em 2023, finalizou a pintura-tapeçaria A Árvore Encantada, com quase 50 metros quadrados, após um ano e meio de trabalho. A obra com cerca de 13 metros de altura por três e meio de largura – a maior já instalada em um navio, foi comissionada pela Companhia de Navegação Norwegian Cruise Line para sua principal linha de cruzeiros de luxo, a Regent Seven Seas Cruises.

 

O luxuoso transatlântico, com milhões de dólares em obras de arte, construído no estaleiro Fincantieri, em Ancona (Itália), atravessou o Atlântico em sua primeira viagem para ser batizado em dezembro último, durante a feira de arte Artbasel Miami, nos Estados Unidos.

 

A Árvore Encantada é um arazzo encomendado pela NCL ao artista, sob a curadoria da norte-americana Sara Hall Smith, através da Gary Nader Fine Art, que representa Goldfarb nos EUA.

 

A obra foi construída com mais de 6 mil botões vintages americanos e europeus da década de 1960 (ano de fundação da Norwegian Cruise Line), bordados que simulam uma cartografia, carvão e laca sobre um kilim tramado com pura lã de carneiro.

 

Conceitualmente, A Árvore Encantada é uma imensa pele que se assemelha a um pergaminho impregnado de simbologias, lendas e histórias. A pintura-tapeçaria ocupa permanente a parede do atrium central do transatlântico Seven Seas Grandeur.

SERVIÇO:

 

Pele: os manuscritos do Mar Morto na gênese da linguagem visual de Walter Goldfarb

 

Abertura: 11 de maio de 2024, das 14h às 18h

Temporada: até 20 de julho de 2024

 

Local: Palácio dos Correios | Espaço Cultural Correios Niterói

End: Av. Visconde do Rio Branco, 481 – Centro

Niterói | RJ

Horários de visitação:

Segunda a sexta, das 11h às 18h
Sábados, das 11h às 17h (não abre aos domingos)

 

Entrada gratuita | classificação livre

 

Informações para a imprensa:
Mônica Villela Companhia de Imprensa
(21) 97339-9898 |
monica@monicavillela.com.br

 

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