Ultimas apresentações de 'Dr. Anti', no Sesc Ipiranga

 Uma suposta salada envenenada em um jantar faz com que seis personagens da alta sociedade interpretem a crise política e social dos últimos anos. Em últimos dias no Sesc Ipiranga.

Em cena: Regina Maria Remencius, Letícia Calvosa, Felipe Carvalho, Mariana Marinho e Mau Machado. Foto: Ligia Jardim

DR. ANTI, trabalho da Cia Extemporânea, faz suas últimas apresentações de 9 a 11 de dezembro, no Sesc Ipiranga. Com direção de Ines Bushatsky e João Mostazo, que também assina a dramaturgia, a peça usa a mistura de gêneros - recurso já visto em outros trabalhos do grupo, como a comédia, o filme B, o terror e a farsa - para tratar de um assunto caro ao Brasil: as tensões que atravessam a sociedade hoje, em especial o problema do negacionismo.

A peça se passa durante um jantar, em uma casa da alta sociedade. Enquanto comem a salada e aguardam pelo prato principal, os seis personagens discutem sobre suas diferentes interpretações para a crise política e social dos últimos anos. Incapazes de chegar a um acordo, um dos convidados, o Dr. Anti - espécie de guru de uma seita -, propõe a realização de um pacto de sangue para sanar a crise do país.

“A peça é um retrato da ascensão ao poder da extrema direita e da união da elite no Brasil a esse conservadorismo”, diz o dramaturgo e diretor João Mostazo. “Essa união entre elite e extrema-direita é na verdade um pacto de violência, que nem sempre se percebe ou se assume como tal, mas que organiza a maneira de ver o mundo”, completa.

Em meio ao discurso negacionista, ao pseudo-cientificismo e ao pensamento conspiratório disseminado por gurus do pensamento conservador, os personagens não se chocam com a violência, e o conflito central se passa em torno da suspeita de que a salada esteja envenenada.

“Vivemos em um cotidiano permeado por imagens e discursos de violência. Esses discursos muitas vezes podem trazer um fascínio que inebria as pessoas”, observa a diretora Ines Bushatsky. Na peça, o pacto permeia não apenas a dimensão da palavra, mas também da trilha sonora, luz e cenário, lançando mão de efeitos vindos do terror e do suspense. “É um pacto que não passa apenas pela razão, mas pelos afetos”, completa.



Cena de Dr. Anti - Na foto: Regina Remencius, Letícia Calvosa e Felipe Carvalho -  Foto: Ligia Jardim

Precisa pra curar a doença profunda deste país é um pacto. Um pacto completo, total, sem limites, sem volta, absoluto. Esse pacto que vai curar a doença nacional é um pacto entre a própria doença e a cura. Porque a gente sabe que a gente é a doença, a gente sabe que a gente é o câncer. Mas no caso do Brasil, o câncer é também a cura. A nossa doença é tão profunda que a cura pra ela só pode vir pelo câncer. Então a gente tem que ser o câncer, pra poder ser também a cura.”
Trecho de Dr. Anti
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DRAMATURGIA
DR. ANTI é o sexto espetáculo da Cia. Extemporânea, e o quarto com texto original assinado pelo poeta e dramaturgo João Mostazo, autor de FaMarca do perfil do grupo, essas tensões são mostradas também por meio da comédia e do absurdo. “Nós partimos do pressuposto de que a maneira mais honesta e eficaz de capturar a estrutura social da violência é pela comédia. É um gênero sem possibilidade de redenção”, coloca Mostazo. “Não é um riso óbvio. A comédia, como gênero, tem uma estrutura de repetição e ruptura. Essa estrutura organiza a nossa própria realidade”, diz Bushatsky.

O texto também traz, por meio da memória fragmentada das personagens, elementos dos eventos políticos relevantes dos últimos anos, das manifestações de 2013 ao impeachment de Dilma Rousseff, da ascensão do MBL à chegada das milícias ao poder com o bolsonarismo. “Os personagens vão mencionando pedaços da história recente de 2013, 2016, 2018 e 2022, mas são incapazes de construir uma narrativa coesa sobre o passado”, coloca a diretora.

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“O que a gente pruna fácil de bestas simples (2015), A demência dos touros (2017), Roda morta - uma farsa psicótica (2018) e CÃES (2018).

Em sua dramaturgia, Mostazo mistura diferentes gêneros dramatúrgicos presentes na indústria cultural contemporânea, como o melodrama, o filme B, o seriado policial e a farsa. Ao mesmo tempo, lança mão de recursos como a ironia e o cinismo, aliados a momentos de sutileza e lirismo, para compor um retrato cômico e contundente da sociedade brasileira contemporânea.

SOBRE A CIA. EXTEMPORÂNEA
A Extemporânea é um grupo teatral com sete anos de atuação na cidade de São Paulo. Realizou entre 2015 e 2020 as peças Fauna fácil de bestas simples (2015, dir. Pedro Massuela), A demência dos touros (2017, direção de Ines Bushatsky, dramaturgismo de Dodi Leal) e Roda morta – uma farsa psicótica (2018, direção de Clayton Mariano). Esta última, adaptada para o cinema, deu origem ao primeiro longa-metragem com realização e produção da companhia, Rompecabezas, realização de Dellani Lima e João Mostazo), que estreou no 15º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, em dezembro de 2020. 

Além do longa, a companhia realizou o curta-metragem FALSO FILME, dirigido por Bushatsky e Mostazo, que estreou na Mostra de Cinemas Possíveis de 2021. Em julho de 2021, a cia. estreou o espetáculo online B de Beatriz Silveira e, em junho de 2022, O mistério cinematográfico de Sendras Berloni, ambos com direção de Ines Bushatsky e criados junto ao núcleo F de Falso, projeto artístico-pedagógico da companhia voltado à criação de montagens inéditas.

SINOPSE
Seis personagens da alta sociedade se reúnem para um jantar. Enquanto comem a salada e aguardam pelo prato principal, discutem sobre suas diferentes interpretações para a crise política e social dos últimos anos. Vendo que os presentes são incapazes de chegar a um acordo, um dos convidados propõe a realização de um pacto de sangue para sanar a crise do país.

FICHA TÉCNICA
Direção: Ines Bushatsky e João Mostazo
Texto: João Mostazo
Elenco: Ernani Sanchez, Felipe Carvalho, Letícia Calvosa, Mariana Marinho, Mau Machado, Regina Maria Remencius.
Atores substitutos: Tetembua Dandara
Cenário: Fernando Passetti
Luz: Aline Santini
Figurinos: Marichilene Artisevskis
Direção musical: Gabriel Edé
Artista visual: Lídia Ganhito
Contrarregra: Julia Tavares
Produção: Corpo Rastreado – Anderson Vieira
Criação: Cia. Extemporânea

Siga o Instagram da Cia Extemporânea: @aextemporanea

SERVIÇO
DR. ANTI, da Cia Extemporânea
Últimas apresentações: 9, 10 e 11 de dezembro.
Sexta e sábado, às 21h, domingo, às 18h.
Sesc Ipiranga (R. Bom Pastor, 822 – Ipiranga. Tel.: 11.3340-2000).
Duração: 75 minutos | 16 anos
Valores: R$40,00 (inteira), R$ 20,00 (meia) e R$ 12,00 (credencial plena)

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