Estreia | Bertolt Brecht inspira ÉPICO, em que crises políticas, sanitárias e sociais profundas da Idade Média se revelam atuais - 15/01
A peste bubônica de meados do ano 1300 - ainda na Idade Média – matou milhares de pessoas ao redor do mundo. Mas era um tempo de comunicação falha e acesso restrito às informações. Hoje, 2020, temos muito conhecimento produzido e disponibilizado, e ainda assim temos milhares de mortos, em função da pandemia da covid19. O que Brecht, nascido na virada dos anos 1900, tem a colaborar nos dias que se seguem?
As elaborações sobre o teatro épico discutidas por Bertolt Brecht (1898 – 1956) no texto-manifesto Um Pequeno Organon para o Teatro (1948) foram o ponto de partida para a criação do espetáculo ÉPICO, da Cia Tercer Abstracto, que fará temporada online a partir do dia 15 de janeiro de 2021, sexta-feira, 19h, por Zoom. A direção é de David Atencio e, no elenco, estão Giovanna Monteiro, Giu Castro, Mateus Fávero, Marô Zamaro e Paulo Eduardo Rosa. A peça foi contemplada pelo edital ProAC Nº 01/2019 - Produção e Temporada de Espetáculos Inéditos de Teatro Primeiras Obras.
SINOPSE
Os anos do calendário já haviam chegado ao número de 1348 quando uma peste mortífera atacou a Europa. Estamos em 2020, vivendo um épico momento a nível nacional e internacional que parece não ter saída. O ponto de partida e ÉPICO é Bertolt Brecht, que indica uma proposta didática e narrativa que transforma o teatro numa potente sala de aula. ÉPICO é uma peça on-line, um jogo de comparações que pretende proporcionar ferramentas de análise. Tratando as condições sociais como acontecimentos em processo, pretende suscitar, como escreveu Brecht, “pensamentos e sentimentos que desempenhem um papel na modificação do contexto”.
A MONTAGEM
Com texto criado de forma conjunta pela companhia a partir das propostas do dramaturgo e poeta alemão, ÉPICO transporta questionamentos feitos por Brecht para o Brasil de 2020, que vive crises políticas, sanitárias e sociais profundas. O espetáculo explora as potencialidades da ferramenta online, incluindo seus recursos de transmissão de áudio e a exibição de vídeos pré-gravados.
“No início, todos estarão com as câmeras desligadas, mas os microfones ficarão abertos e convidaremos o público a ler conosco alguns textos da peça. A ideia é promover um coro de pessoas distantes que estejam vivenciando uma ideia de coletividade – a dificuldade da plataforma em equalizar os sons de todos os microfones será uma metáfora sobre a falta de comunicação e um estímulo para se pensar em formas de se organizar em conjunto”, conta o diretor David Atencio.
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A expressão teatral de uma sociedade em crise, proposta por Brecht, influenciou historicamente o teatro mundial e, especialmente, o teatro brasileiro. O modo com que o Teatro Épico lidou com noção da modernidade na primeira parte do século XX oferece ferramentas para compreender, social e cenicamente, a situação política do país
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O segundo momento da peça está situado na Idade Média, aproximadamente em 1348, quando a peste bubônica assolava a Europa e dizimava a vida de milhões de pessoas. “Nesta parte há histórias narradas por uma voz em off e também recursos de teatro de sombras”, conta o diretor. O enredo acompanha as revoluções camponesas e o período de revolta que destituiu o feudalismo medieval.
A terceira parte, pré-gravada, está situada nos nossos tempos e acompanha Lucas e Aline, dois amigos que dividem um apartamento na cidade de São Paulo em meio ao crescimento da epidemia de coronavírus no Brasil. O diretor explica que os momentos de transição entre cada parte do espetáculo são bem acentuados e convidam o espectador a, de fato, experimentar as potencialidades da ferramenta on-line.
“Em ÉPICO, estamos enxergando Brecht não apenas como autor, mas também como teórico – estudamos as cenas a partir de suas perguntas, então o texto também revela muito desse processo de criação e pesquisa”, finaliza David.
A peça faz parte do Manifestos, projeto que nasce com o interesse de investigar teórica e praticamente os principais Manifestos Teatrais que revolucionaram a cena no século XX. A primeira peça dessa iniciativa, chamada CONVENÇÃO, foi criada a partir do manifesto O Teatro da Convenção Consciente (1909), de Vsevolod Meyerhold. ÉPICO dá continuidade a esta pesquisa cênica.
TRECHO DE ÉPICO:
Era quase início da primavera quando começaram a se manifestar as horríveis e dolorosas consequências da peste.
“É espantoso ouvir aquilo que devo dizer: se tais coisas não tivessem sido vistas pelos olhos de muitos e também pelos meus, eu mal ousaria acreditar nelas, muito menos descrevê-las. Era tamanha a multidão de gente a morrer noite e dia na cidade que causava espanto ouvir dizer, quanto mais presenciar”.
Era tamanho o pavor que essa situação pusera no coração de homens e mulheres, que um irmão abandonava o outro, o tio ao sobrinho, a irmã ao irmão e muitas vezes a mulher ao marido. Maior era o espetáculo da miséria da gente pobre e mediana; pois essas pessoas, retidas em casa pela esperança ou pela pobreza, permanecendo na vizinhança, adoeciam aos milhares; e, não sendo ajudadas, morriam todas quase sem nenhuma redenção.
Várias expiravam na via pública, muitas outras expiravam em casa. Os vizinhos percebiam que estavam mortas mais pelo fedor do corpo em decomposição do que por outros meios. Os vizinhos dos que morriam, sozinhos ou com a ajuda de carregadores, tiravam os corpos de suas respectivas casas e os punham diante da porta. Então, providenciavam ataúdes e os carregavam. E quando o número de ataúdes era insuficiente, os corpos eram carregados sobre tábuas.
Sendo grande quantidade de corpos que chegavam às igrejas, abriam-se nos cemitérios enormes valas nas quais os corpos que chegavam eram postos às centenas: eram eles empilhados em camadas, tal como a mercadoria na estiva dos navios, e cada camada era coberta com pouca terra até que a vala se enchesse até a borda.
A morte era tão presente que as pessoas ficaram insensíveis a ela.
SOBRE A CIA TERCER ABSTRACTO
A companhia, liderada pelo diretor chileno David Atencio e pelo ator brasileiro Mateus Fávero, surge no ano de 2012 com o objetivo de investigar e experimentar a partir das abstrações das artes visuais diversas estratégias cênicas para a elaboração de suas peças. A companhia fricciona transdisciplinarmente o campo das artes com as ciências, aproximando temas provenientes da física e das matemáticas a um público geral, com uma linguagem cênica contemporânea que estimula perceptivamente o espectador.
A companhia apresenta duas linhas de pesquisa: Projeto Manifestos, criada inteiramente no Brasil, e a Serie Abstracto, projeto de nove peças teatrais a partir do estudo de artistas fundamentais da arte abstrata.
FICHA TÉCNICA
Direção: David Atencio
Artistas convidados: Giovanna Monteiro, Giu Castro, Marô Zamaro e Paulo Eduardo Rosa
Acompanhamento Crítico-Pedagógico: Amanda Tavares Dias
Criação e Conceito de Cartelas - Unidade 1 - Vicente Antunes Ramos
Criação e conceito Teatro de Sombras - Unidade 2: Marô Zamaro
Direção de Fotografia - Unidade 3: Mateus Fávero
Manipulação de Teatro de Sombras: Mateus Fávero e Marô Zamaro
Iluminação: Matheus Brant
Música Original: Pablo Serey
Design Gráfico, Fotografia e Videomaker: Brendo Trolesi
Produção: Jota Rafaelli (MoviCena Produções)
Apoio Técnico - Operacional: Fellipe Oliveira e João Marcelino
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto Assessoria
Realização: Cia Tercer Abstracto
Instagram da equipe: @giovanna.monteiro @tercerabstracto @amandatavaresdias @o.vicente.ramos @btrolesi.psd @jotarafaelli @movicena_producoes @pjserey @juanduarte @matheusbrant @giu.decastro @marozamaro @pauloeduardorosa @canal_aberto @marciamarquesnovaes
SERVIÇO
ÉPICO
De 15 a 31 de janeiro de 2021 | Sextas, sábados e domingos, às 19h
Sessão extra: 25/1, segunda-feira, 19h (Aniversário de São Paulo)
* Nos dias 23 e 30 de janeiro, sábados, haverá bate-papo com a equipe após a sessão.
Acesso gratuito. Para reservar ingressos, basta enviar e-mail para epicoprojeto@gmail.com e aguardar orientações da produção.
Duração: 70 min. | Classificação: Livre
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