Projeto de Incentivo à Leitura no Complexo da Maré desenvolve ações para a Educação de adultos
Iniciativa de educadores da comunidade cria momentos de aprendizado e reflexão sobre questões sociais com os alunos matriculados no EJA
Oportunizar um momento de reflexão, auto estima, identidade e lazer em meio a um contexto de desigualdades e violências. Esse é o principal objetivo da iniciativa “Educação de Jovens e Adultos: Eles Leem!”, desenvolvido pelo Projeto Leituras na Favela. Voltado ao público matriculado na modalidade de EJA e, portanto, acima dos 18 anos, a atividade é um incentivo à retomada escolar e tornar o acesso à literatura algo possível e prazeroso, onde os alunos podem conhecer novas perspectivas e refletir sobre as suas realidades.
Idealizado por Anderson Oli e Camila Mendes, ambos educadores e moradores da Maré, a primeira atitude foi visitar duas escolas da região que oferecem o ensino para jovens e adultos e apresentar a proposta para as turmas. A partir dos interessados, eles realizaram as inscrições de acordo com os critérios de idade e a divisão equilibrada entre as duas escolas. Apesar de alguns desafios, eles garantem que a experiência é rica em um aprendizado que vai além dos livros:
“Os alunos podem ter idades muito variadas, com diferentes experiências de vida e históricos educacionais. O educador precisa ajustar suas metodologias para lidar com isso, criando estratégias de ensino que sejam inclusivas e que respeitem o ritmo e as dificuldades individuais. Trabalhar com alunos que têm diferentes prioridades e responsabilidades fora da sala de aula (como trabalho e família) requer uma abordagem mais sensível e personalizada”, destacam.
Com mais de 40 pessoas atendidas e, atualmente, 26 alunos inscritos, os participantes vencem a timidez e as limitações pessoais e acadêmicas para formar conexões e expressarem as suas opiniões e visões de mundo a partir da leitura. Para Anderson e Camila, ter o contato direto com a literatura e um grupo para a troca de percepções e vivências, não só amplia os conhecimentos e desenvolve habilidades, como acessibiliza a escuta sobre diversos assuntos. De sonhos, identidade e oportunidade à feminismo, gênero e classe trabalhadora.
“Nossa metodologia é centrada na leitura compartilhada em roda. Atualmente estamos lendo ‘Redemoinho em Dia Quente’, de Jarid Arraes. Os participantes têm liberdade para ler trechos do texto, caso desejem. A proposta é que não haja correções e que todos os jeitos de ler, seja mais pausado ou com menor fluidez, sejam respeitados. Após a leitura, incentivamos a troca de impressões sobre o que foi lido e propomos atividades de escrita, arte ou dinâmicas que se conectem com o conteúdo. Dessa forma, buscamos tornar a leitura mais significativa e estimular produções autênticas dos participantes”, explicam os idealizadores.
Por se tratar de um projeto comunitário e independente, sem apoio financeiro que suporte abrir mais vagas, o projeto Leituras na Favela conta apenas com o aporte do edital Pró-Carioca, programa de fomento à cultura carioca da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, através da Secretaria Municipal de Cultura. As atividades da “Educação de Jovens e Adultos: Eles Leem!” acontecem na Biblioteca Municipal Jorge Amado, localizada na Areninha Cultural Herbert Vianna, no Conjunto de Favelas da Maré. A turma em andamento encerra no dia 02 de dezembro, com direito a certificado.
“A dinâmica da favela, com seus desafios sociais, econômicos e de segurança, impacta diretamente na disponibilidade e no engajamento dos participantes. Muitos moram em contextos de grande vulnerabilidade, o que exige não apenas a promoção da leitura, mas também o enfrentamento de questões como o acesso à alimentação, transporte, e segurança. Apesar disso, seguimos com o compromisso de garantir que a leitura e a cultura sejam espaços de acolhimento e transformação, buscando alternativas criativas para superar essas barreiras”, apontam.
Um quadro majoritariamente feminino
Um dado interessante levantado por Anderson e Camila é que, dos alunos participantes, a maioria é formada por mulheres com mais de 40 anos, negras e moradoras da Maré. A baixa adesão dos homens tem sido uma questão para eles, que já pensam em estratégias específicas para aumentar esse alcance, como parcerias com lideranças masculinas da comunidade, como agentes culturais, professores da EJA, esportistas e trabalhadores locais, para que sirvam como referências positivas e incentivem a participação.
Segundo a 6ª edição do levantamento “Retratos da Leitura no Brasil”, realizado em 2024 pelo Instituto Ipec (Instituto de Pesquisa e Consultoria), o maior número de leitores no Brasil são mulheres, representando cerca de 57% a 59% da pesquisa. Apesar da média ter representado uma queda, ainda assim o público feminino continua lendo mais que os homens.
A busca por um público mais equilibrado entre homens e mulheres também dialoga com a proposta social do projeto: “Mais do que ensinar a ler, buscamos cultivar o desejo de leitura como ferramenta de expressão, escuta e transformação. Ao formar pessoas que leem por prazer, elas se reconhecem nas histórias e desenvolvem sua própria relação com a leitura. Acreditamos que a autonomia leitora fortalece a autoestima, amplia repertórios e permite que cada um escreva e reescreva sua própria trajetória”, defendem.
Mesmo com o alcance reduzido, Anderson e Camila sonham com o dia em que a leitura será mais do que um projeto e, sim, um movimento cultural e de fortalecimento de identidades, em que as próprias histórias da favela e de seus moradores sejam contadas e ressignificadas por meio da palavra e da literatura.
Serviço:
Projeto “Leituras na Favela” cria iniciativa “Educação de Jovens e Adultos: Eles Leem!”
Público-alvo: alunos matriculados na modalidade de Educação de Jovens e Adultos - EJA, do sistema público de ensino no Complexo da Maré
Onde: Biblioteca Municipal Jorge Amado, localizada na Areninha Cultural Herbert Vianna, no Conjunto de Favelas da Maré
Quando: às terças-feiras das 15h às 17h - Até dezembro 2025
Instagram: @leiturasnafavela
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