ESTREIA | Humanamente Inviável, novo espetáculo do Núcleo Alvenaria de Teatro, mistura humor ácido, crítica social e camadas de ficção distópica | de 24/10 a 03/11 na sede da companhia
Núcleo Alvenaria de Teatro estreia o espetáculo Humanamente Inviável
Fatos reais inspiram essa tragicomédia distópica que mescla uma clínica com cursos para reeducar homens processados por violência doméstica e personagens em um bar à beira do fim do mundo
Cena de Humanamente Inviável - Crédito: Divulgação
O Brasil é um país que tem muito passado pela frente. É a partir desse enunciado que o Núcleo Alvenaria de Teatro estreia Humanamente Inviável, nova criação escrita e dirigida por Tati Bueno, em cartaz a partir de 24 de outubro, até 03 de novembro, na sede da companhia, o Alvenaria Espaço Cultural (Rua Turiassu, 799, Perdizes, São Paulo). As sessões acontecem às sextas e segundas, às 20h30 e aos sábados e domingos, às 16h, com entrada franca.
A peça se passa em um bar à beira do fim do mundo, onde personagens se encontram entre uma saideira e outra para desabafar diante de um colapso que não é futuro, mas presente. O espetáculo mergulha em um universo em que o apocalipse não chegou com estrondo, mas com silêncio, cansaço e distração. Uma tragicomédia distópica sobre tentar — e tentar de novo — mesmo quando já não se acredita.
Entre a fossa brasileira e a avalanche digital
Livremente inspirado em dois fatos reais — o episódio narrado por Rebecca Solnit no livro Os Homens Explicam Tudo Para Mim* e a experiência de cursos obrigatórios para homens processados por violência doméstica** —, Humanamente Inviável mistura humor ácido, crítica social e camadas de ficção distópica.
A narrativa se divide em dois planos: no “terreno”, acompanhamos Alicinha, criadora de uma clínica que promete reeducar homens, e seu marido Mário, um machista em eterna “desconstrução”. Com eles, Norma e Dominique se desdobram para provar que o método funciona e, assim, renovar o contrato com o governo. No “mítico”, três entidades — Madame, Vera e o Poetinha — ocupam o bar no fim do mundo, observando e comentando os destinos humanos, entre sambas de fossa e confissões íntimas.
“Esperávamos um fim do mundo que chegasse como um estrondo, mas, na verdade, ele está vindo a conta-gotas. E, enquanto esperamos, precisamos lidar com o vício em dopamina, o celular como extensão do corpo, a falência dos afetos e as velhas disputas de gênero”, afirma Tati Bueno.
*Em uma festa, a escritora Rebecca Solnit viveu uma cena comum: um homem lhe explicou longamente um livro — sem perceber que era ela a autora. O episódio deu origem ao livro Os Homens Explicam Tudo para Mim, que nomeia e analisa o fenômeno do mansplaining. Solnit revela como esse gesto cotidiano de silenciamento reflete uma cultura machista que insiste em desautorizar as mulheres.
**A Lei 13.984/2020 determina que agressores de violência doméstica frequentem cursos de reeducação e acompanhamento psicossocial. Essas medidas podem ser aplicadas pelo juiz logo no início do processo, mesmo sem condenação. O objetivo é estimular reflexão e responsabilização, rompendo padrões machistas que sustentam a violência. Assim, busca-se reduzir a reincidência e fortalecer a proteção às vítimas.
A encenação
O espaço cênico é concebido como um terreno instável, em mutação constante. O bar inicial se transforma em cabaré, sala de palestra, laboratório de reeducação compulsória, consultório afetivo e até campo de experimentos. A dramaturgia aposta em uma lógica de colagem e de simultaneidade, em que as ações se sobrepõem como fragmentos de um grande plano-sequência, borrando as fronteiras entre realismo, farsa e delírio.
A iluminação, criada por Samya Peruch e Tati Bueno, acompanha essas metamorfoses: da meia-luz intimista ao corte frio de um experimento científico, passando por flashes que remetem a auditórios ou festas decadentes. O figurino de Uga Agú parte de roupas únicas que se desdobram em diferentes personagens por meio de detalhes, reforçando a ideia de identidades fluidas e instáveis.
A música, composta e dirigida por Felipe Antunes, é quase uma personagem: atravessa a cena com referências ao movimento A Fossa — samba-canção de tons urbanos e melancólicos, herdeiro de Dolores Duran, Maysa e Nora Ney — e se mistura às vozes dos intérpretes, que cantam ao vivo, entre sambas, boleros e canções populares.
No palco, Bia Toledo, Alexandra DaMatta e Thiago Carreira transitam entre papéis múltiplos, alternando discursos políticos, momentos de intimidade, números musicais e lampejos de absurdo. Com humor, ironia e melancolia, a encenação explicita um presente saturado, onde se tenta resistir, mas também se falha — e nesse fracasso, talvez, resida a última chance de humanidade.
Trilogia Madame
A obra encerra a Trilogia Madame, iniciada em 2021 com Codinome Madame e Madame e a Faca Cega. Se nas peças anteriores a distopia era projetada para resistências futuras, agora o olhar está no presente colapsado, em que insistir e falhar pode ser o último gesto de humanidade.
Humanamente Inviável foi realizado com apoio da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), do ProAC – Programa de Ação Cultural da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo, do Ministério da Cultura e do Governo Federal.
Sinopse:
Em um bar à beira do fim do mundo, entre uma saideira e outra, personagens discutem e desabafam diante de um colapso que já não é futuro, é presente. Nesse contexto, o apocalipse não veio com estrondo, mas com silêncio, cansaço e distração. A peça é um mergulho coletivo na “fossa” brasileira – um país que tem muito passado pela frente – e na busca exausta por sentido num presente saturado de distrações. É um trabalho sobre tentar e tentar de novo, mesmo quando já não se acredita. Humanamente Inviável é uma tragicomédia distópica sobre gênero, algoritmos, atenção e a falência emocional do presente. Entre ruídos internos e métodos de reeducação afetiva, resta a pergunta: o que ainda nos faz humanos?
Ficha Técnica:
Texto e direção: Tati Bueno
Elenco: Bia Toledo, Alexandra DaMatta, Thiago Carreira
Preparação de elenco: Inês Aranha
Direção Musical: Felipe Antunes
Figurino: Uga Agú
Cenário: Carol Bucek
Adereços: Ana Santos Nega
Iluminação: Samya Peruch e Tati Bueno
Assessoria de Imprensa: Canal Aberto - Márcia Marques e Daniele Valério
Produção: Clube do Mecenas
Idealização: Núcleo Alvenaria de Teatro
Serviço
Humanamente Inviável
Duração: 75 minutos | Classificação: 14 anos
Data: De 24/10 a 03/11, de sexta a segunda.
Sextas e segundas, às 20h30
Sábado e domIngo, às 16h
Local: Alvenaria Espaço Cultural - Rua Turiassu, 799 - Perdizes - São Paulo - SP
O Espaço Cultural tem um bar que funciona nos seguintes horários: Sextas, a partir das 17h, sábados e domingos a partir das 15h e segunda a partir das 19h30, o bar funciona antes e depois das apresentações.
Ingressos: gratuitos, distribuídos 1 hora antes das sessões.
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