Neste sábado, IMS inaugura maior retrospectiva de Gordon Parks na América Latina

 No sábado (4/10), IMS Paulista abre primeira retrospectiva do fotógrafo Gordon Parks no Brasil, com obras que registram a história da população negra norte-americana no século 20, dos movimentos sociais à vida cotidiana

 

Maior exposição de Parks já feita na América Latina, a mostra reúne cerca de 200 fotografias, tiradas sobretudo entre as décadas de 1940 e 1970, além de filmes, periódicos e livros. Entre as imagens exibidas, estão retratos de nomes centrais do movimento negro norte-americano, como Malcolm X, Martin Luther King e Muhammad Ali, além de séries que abordam temas como a infância e o cotidiano.
 

“Eu também sou a América. A América sou eu.”

Gordon Parks, 1968



Sem título, Harlem, 1963. Foto de Gordon Parks. Cortesia da Fundação Gordon Parks.


Nome central da história mundial da fotografia, Gordon Parks (1912-2006) é autor de uma vasta produção autoral, na qual documentou a vida cotidiana de pessoas negras em estados segregados nos EUA, a luta organizada do movimento negro pelos direitos civis e as manifestações culturais e religiosas da população afro-americana, entre outros temas. Sua obra, trajetória e legado são reverenciados na retrospectiva Gordon Parks: a América sou euem cartaz a partir de sábado (4 de outubro) no IMS Paulista (Av. Paulista, 2424).

 

Sob curadoria de Janaina Damaceno, com Iliriana Fontoura Rodrigues como curadora assistente e Maria Luiza Meneses como assistente de curadoria, a exposição é a primeira retrospectiva de Parks no Brasil e a maior na América Latina. No sábado (4 de outubro), às 11h, a equipe de curadoria conversa com o público no cineteatro do IMS. A exposição é realizada em parceria com a Fundação Gordon Parks, instituição que detém o acervo do fotógrafo e que foi a principal fonte de pesquisa para a concepção do projeto.

 

Ocupando dois andares do centro cultural, a mostra reúne cerca de 200 fotografias, tiradas sobretudo entre as décadas de 1940 e 1970, além de filmes, periódicos, depoimentos e publicações, ressaltando o caráter multifacetado de Parks, que atuou também como músico, cineasta e poeta. Entre as obras exibidas, estão retratos de nomes centrais do movimento negro americano, como Malcolm XMartin Luther King e Muhammad Ali, e séries consagradas, como De volta a Fort Scott (1950) Histórias da segregação no sul (1956). (Saiba mais sobre as obras abaixo).

 

Gordon Parks nasceu em 1912 na cidade de Fort Scott, no Kansas, durante o regime de segregação racial. Em 1928, sua mãe faleceu e ele se mudou da sua cidade natal, passando por diversos destinos, enfrentando a pobreza e o racismo. Nesse período, trabalhou em diversos empregos em busca da sobrevivência, atuando inclusive como pianista em clubes e hotéis. Em 1937, adquiriu sua primeira câmera fotográfica e, em 1938, publicou suas imagens pela primeira vez no St. Paul Recorder, importante jornal da imprensa negra do estado de Minnesota. Posteriormente, mudou-se para Washington, onde trabalhou para a Farm Security Administration, por onde também passaram fotógrafos como Dorothea Lange, Walker Evans, Russell Lee, Marion Post Wolcott, John Vachon e Carl Mydans. Em 1948, começou a trabalhar na revista Life, uma das mais importantes do mundo, tornando-se o primeiro fotógrafo negro contratado pela publicação.

 

Após o ingresso na Life, sua carreira como fotógrafo consolidou-se cada vez mais, com a publicação de livros e a participação em exposições, com foco no registro da vida da população negra norte-americana e na denúncia ao racismo e à desigualdade, numa união entre arte e ativismo que caracterizou toda sua trajetória. Também atuou como cineasta, tendo lançado, entre outros longas, o filme Shaft (1971), considerado um dos mais relevantes do movimento conhecido na época como blaxploitation. Por sua obra, tanto na fotografia quanto no cinema, recebeu diversas premiações e homenagens. Até hoje o trabalho de Parks influencia artistas das mais diversas áreas, como o rapper Kendrick Lamar, os fotógrafos Zanele Muholi e Devin Allen, e a cineasta Ava DuVernay.

A América sou eu
 

O título da exposição — A América sou eu  foi tirado de um texto que Parks escreveu para a revista Life, em 1968, no qual aborda uma questão crucial para o movimento negro nos EUA: o fato da democracia americana ter se consolidado sob um regime de segregação racial, excluindo a população negra. O texto acompanhava uma série de fotografias nas quais Gordon registrava as condições precárias dos Fontenelle, família negra moradora do Harlem.

Com suas próprias palavras, mas também ressoando as da família Fontenelle, o fotógrafo afirma: “Entre nós dois há algo que vai além do sangue ou do preto e branco. Trata-se da nossa busca compartilhada por uma vida melhor, um mundo melhor. O solo sobre o qual protesto é o mesmo que você no passado protestou. As coisas pelas quais luto são as mesmas que você. As necessidades dos meus filhos são as mesmas que as dos seus. Eu, também, sou a América. A América sou eu. Ela me concedeu a única vida que tenho, então devo compartilhá-la em sua luta. Olhe para mim. Escute-me. Tente entender a minha luta contra o seu racismo. Ainda há uma chance para que consigamos viver em paz sob esses céus tão intempestivos.


Séries feitas no Harlem e no Sul segregado
 

A retrospectiva no IMS inclui as principais séries fotográficas realizadas por Parks, destacando como a produção sequencial de imagens é um aspecto importante em sua obra, com o objetivo de mostrar a complexidade dos sujeitos, documentando-os em sua integralidade, em contraponto a uma imagem única e estereotipada.
 

Uma das primeiras séries apresentadas, logo na entrada da exposição, é a dedicada a Ella Watson (1942). Quando produziu as imagens, Parks estagiava na Farm Security Administration (FSA), agência do governo americano, com o aporte de uma bolsa de estudos para artistas negros.

Ao chegar em Washington, D.C., Parks circulou pela cidade e, mesmo não estando em um território sulista, foi expulso e impedido de entrar em restaurantes, cinemas e de fazer compras em lojas. Para poder transmitir essa experiência, o fotógrafo decidiu fazer um ensaio com Ella Watson, funcionária do departamento de limpeza da FSA. Parks documentou diversas facetas da vida de Watson, como a convivência com os netos e sua importância na Igreja que frequentava.

Em uma das imagens mais marcantes da série, conhecida como American Gothic, Watson segura uma vassoura de um lado, e do outro um esfregão. A bandeira americana aparece no fundo, enfatizando a exclusão vivenciada pela comunidade negra nos EUA. Sobre a concepção da imagem, Parks relata: “Então, coloquei-a diante da bandeira americana com uma vassoura em uma mão e um esfregão na outra. E eu disse: 'American Gothic'. Foi assim que me senti naquele momento. Não me importava com o que os outros sentiam. Era isso que eu sentia em relação aos Estados Unidos e à posição de Ella Watson dentro dos Estados Unidos”.

 

Sem título, Alabama, 1956. Foto de Gordon Parks.
Cortesia da Fundação Gordon Parks.

Em seguida, a retrospectiva apresenta as imagens que Parks produziu no bairro do Harlem, em Nova York, destino de milhares de pessoas que fugiam da segregação racial do Sul. Neste núcleo, são exibidas as séries Líder de uma gangue no Harlem (1948), que marca a estreia de Parks na revista Life, e Homem invisível (1952), uma parceria entre ele e o escritor Ralph Ellison, além do filme Shaft (1971), tido como uma das principais obras do blaxplotation, gênero cinematográfico que reivindica o protagonismo negro no cinema norte-americano.

Na série De volta a Fort Scott (1950), também presente na mostra, o fotógrafo empreende um retorno a sua terra natal, no Kansas, sob o regime de segregação, onde conversa com ex-colegas de classe e registra o que aconteceu com eles que, em sua maioria, assim como o próprio Parks, migraram para o Norte em busca de melhores condições de vida, mas sem se livrar totalmente da violência e da precariedade imposta pela estrutura racista.

 

Outro destaque da exposição, Histórias da segregação no sul (1956), foi uma série encomendada pela Life, na qual Parks documentou o Sul segregado. Para poder produzir as imagens, o próprio fotógrafo passou por diversas situações de violência, sendo inclusive perseguido por nacionalistas brancos. Em imagens coloridas, Parks mostra o cotidiano das pessoas negras nesses estados, perpassado por diversos símbolos de violência e segregação, como as placas que sinalizavam lugares permitidos apenas para brancos. As fotografias denunciavam a realidade e os sistemas de dominação e, por outro lado, mostravam a complexidade e potência das pessoas, retratadas em toda sua plenitude e beleza.
 

No próximo andar, a retrospectiva exibe trechos de Com o terror na alma (The Learning Tree, 1969), primeiro filme dirigido por um cineasta negro em Hollywood. De caráter autobiográfico, o longa-metragem é inspirado na infância de Parks no Kansas. As crianças, por sinal, assim como a religiosidade, são temas frequentes na produção do artista, como pontua a curadoria: “Com algumas de suas imagens, Gordon Parks devolve às crianças negras um lugar onde elas podem ser apenas crianças brincando com um besouro de estimação, saltando em poças d’água em bairros rurais ou nas periferias das cidades ou lendo com os seus pais.”

 

Movimento negro sob a ótica de Parks
 

Sem título, Nova Iorque, 1963. Foto de Gordon Parks. Cortesia da Fundação Gordon Parks.

A exposição destaca os registros históricos que Parks realizou do movimento negro organizado, retratanto a multiplicidade de organizações e ideias que o compõem. Em 1963, por exemplo, o fotógrafo documentou a Marcha por Empregos e Liberdade, mais conhecida como Marcha para Washington, um dos atos políticos mais importantes da história americana em oposição à segregação racial. Com a presença de mais de 250 mil pessoas, foi neste ato que Martin Luther King Jr. proferiu seu famoso discurso “I Have a Dream'' (Eu tenho um sonho).

 

Muçulmanos Negros, série de 1963, é fruto de uma reportagem que Parks fotografou e escreveu para a Life sobre a Nação do Islã, organização negra muçulmana que surgiu em 1930. Parks apresenta um amplo aspecto da organização e da trajetória de um dos seus principais líderes, Malcolm X, de quem o fotógrafo se tornou próximo. A mostra traz também retratos que Parks realizou de lideranças dos Panteras Negras, como Stokely Carmichael, em 1966-1967, e Eldridge e Kathleen Cleaver, em 1970.

 

Outra liderança negra central do século XX fotografada por Parks foi o boxeador e ativista Muhammad Ali, cuja série tem destaque numa das salas finais da exposição. Assim como com quase todos os seus demais retratados, Parks registra Ali a partir de uma sequência de cliques, em imagens que ele aparece sorrindo ou brincando com crianças, em contraponto aos estereótipos associados à força masculina.

 

A mostra também destaca a foto icônica Um grande dia para o hip hop, tirada em 1998, no Harlem, em Nova York, para a capa da XXL Magazine, uma das mais importantes revistas de hip hop do mundo. A imagem é uma homenagem à fotografia Um grande dia no Harlem (1958), de Art Kane, que reúne 57 estrelas do jazz em frente ao prédio da rua 126, número 17, no lado leste do Harlem. Na imagem de Parks, estão 117 retratados, incluindo nomes fundamentais do hip hop, como Grandmaster Flash, Slick Rick, The Roots e Da Brat A foto é um elo temporal entre o jazz e o hip hop, duas expressões máximas da cultura negra norte-americana.

Parks e a relação com o Brasil
 

Rio de Janeiro, 1961. Foto de Gordon Parks. Cortesia da Fundação Gordon Parks


Outro aspecto importante ressaltado na retrospectiva é a presença de Parks no Brasil. Em 1961, o fotógrafo veio ao país a pedido da Life, para documentar a vida nas favelas cariocas. Ele acompanhou durante algumas semanas o cotidiano da família Da Silva, que migrou do Nordeste para o Rio de Janeiro e, em especial, de seu filho Flávio, que sofria de bronquite crônica. Devido à reportagem, a família recebeu doações dos leitores da revista e comprou uma casa no subúrbio, e Flávio foi levado para os Estados Unidos para tratar de sua doença. O caso teve grande repercussão na imprensa brasileira, e a revista O Cruzeiro enviou o fotógrafo Henri Ballot para fazer uma reportagem sobre a pobreza no Harlem.
 

Além da matéria, Parks realizou também seu primeiro filme, Flavio (1964). Narrado em primeira pessoa, com a voz de um menino, o curta faz parte da história do cinema da diáspora negra, sendo um dos primeiros filmes dirigidos por um homem negro em solo brasileiro. Na exposição, são apresentadas ainda imagens inéditas de Parks no Brasil: crianças jogando bola na lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, e um culto evangélico. 

 

Em cartaz até 1 de março de 2026, a mostra contará com uma ampla programação, além de um catálogo com imagens e textos da exposição. Ao visitar a retrospectiva, o público poderá mergulhar na obra e trajetória de Parks, marcada pelo compromisso político e pela cumplicidade com os fotografados, como pontua a curadoria: “A exposição é um reencontro com a história negra americana, mas também com um dos mais importantes fotógrafos do século XX, aquele que melhor documentou como a dignidade, o autocuidado e a beleza se tornaram formas de resistir a um sistema que desejava o aniquilamento de pessoas negras. Em sua obra, ele fala sobre subalternidade, sobre a estrutura racista americana, ao mesmo tempo que reforça narrativas de cumplicidade, de autoamor, de comunidade, de intimidade e confiança entre pessoas negras. Ele nos mostra nossas singularidades e a multiplicidade de nossas experiências como pessoas negras no mundo”
 

 

SERVIÇO

Gordon Parks: a América sou eu

De 4 de outubro de 2025 a 1 de março de 2026

Entrada gratuita

7o e 8o andar

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