“Da Kutanda ao Quitandinha – 80 anos”, no Centro Cultural Sesc Quitandinha, revela fatos e artistas apagados da história oficial.
“Da Kutanda ao Quitandinha – 80 anos”, no Centro
Cultural Sesc Quitandinha, revela fatos e artistas apagados da história oficial
Centro Cultural Sesc
Quitandinha, Petrópolis
1º de dezembro de 2023,
a partir das 10h
Até 25 de fevereiro de
2024
Curadoria geral: Marcelo Campos
Entrada gratuita
O Sesc Rio de Janeiro
tem o prazer de convidar, no dia 1º
de dezembro de 2023, a partir das
10h, para a inauguração da exposição “Da
Kutanda ao Quitandinha – 80 anos”, que abre as celebrações
dos 80 anos do espaço inaugurado em 1944 como hotel-cassino, e que hoje
sedia o Centro Cultural Sesc Quitandinha.
A grandiosa
exposição tem curadoria geral de
Marcelo Campos, e será composta por
seis núcleos, traçando um percurso que começa no século 18, com as primeiras referências da presença de negros na Freguesia
de Nossa Senhora de Inhomirim, base do povoamento da região, por meio da
navegação do rio Piabanha e das fazendas que exploravam o trabalho escravizado,
que deu origem à cidade que hoje conhecemos como Petrópolis.
A mostra irá destacar inicialmente
as tecnologias trazidas pelos
africanos, suas lideranças, e a quitanda – assentada no local onde está o Quitandinha – operada por mulheres pretas, e responsável por parte
expressiva da economia do século 19.
A palavra é derivada de kitanda, “feira”, e kutanda, “ir
para longe”, no idioma quimbundo,
falado em Angola, origem de muitos africanos que formam a grande população
afro-brasileira. Vários artistas
contemporâneos participam deste núcleo. Em outro segmento, Anna Bella Geiger (1933) ocupa um lugar
central, com um documentário sobre
ela feito especialmente para a exposição, e com obras que participaram da 1ª Exposição de Arte Abstrata, em 1953.
Para se ter uma ideia do ambiente
glamuroso do local em sua época de cassino, de 1944 a 1946, vários itens do
mobiliário e da decoração foram recriados,
além de uma galeria com reproduções de fotografias
de época, pertencentes ao Instituto
Moreira Salles. Bailes Black, de carnaval, funk, jambetes, Furacão 2000,
nos anos 1970, também terão
registros na exposição.
Dois importantes
artistas negros, que tiveram forte presença no antigo hotel-cassino, ganham visibilidade e são homenageados. Tomás Santa Rosa (1909-1956), pintor, ilustrador, responsável pela
inovação no design de capas de livros
– “Cacau” (1934), de Jorge Amado, e
“Caetés” (1933), de Graciliano Ramos,
são exemplos – e importante cenógrafo
– a peça “Vestido de Noiva” (1943), de Nelson
Rodrigues, em 1943, marco no
teatro brasileiro – e autor dos murais
da piscina e do café-concerto, e da pintura decorativa de biombos do Quitandinha. Em outros dois espaços do CCSQ serão reproduzidas as decorações
de carnaval do Rio, feitas por ele em 1954.
Ativista dos movimentos étnico-raciais, trabalhou de 1947 a 1949 no Teatro Experimental do Negro, fundado
por Abdias Nascimento (1914-2011). Já
o gaúcho Wilson Tibério 1920-2005) fez
nos salões do Quitandinha, em 1946, uma exposição com cerca de 130 obras. Militante político e antirracista, foi viver na França, de onde fez constantes viagens
à África, onde pesquisou o cotidiano
das populações e ritos afro-brasileiros, criando várias pinturas, e
participando de eventos sobre artes negras, como o 1º Congresso de escritores e
artistas negros na Universidade de
Sorbonne, Paris, em 1951, e do
1º Festival Mundial de Artes Negra, em Dacar,
em 1966, hoje em dia um evento
emblemático.
“Pensar e celebrar os 80 anos do Quitandinha, focando em arte e cultura, é rever uma história, sublinhar fatos, em sua maioria,
desconhecidos, e cuidar para que uma sociedade desigual não permaneça”,
afirma Marcelo Campos. “O
Quitandinha foi protagonista nas relações da paz mundial, com a assinatura, em 1947, do tratado que se tornaria,
anos depois, na Organização dos Estados Americanos, a OEA. Dois importantes
artistas brasileiros, Tomás Santa Rosa
e Wilson Tibério, realizaram murais
e exposições neste local. A primeira
mostra de arte abstrata do Brasil aconteceu lá. Portanto, a exposição ‘Da Kutanda ao Quitandinha’ atravessará
parte dessa história sob um olhar atual. Levantamos imagens de imprensa importantes e raras. Entrevistamos Anna Bella Geiger, uma das
participantes da exposição de Arte abstrata”, assinala. “Realizar esta exposição é evidenciar a centralidade do
Quitandinha, hoje, Centro Cultural Sesc, na realização de ações culturais”.
Uma programação cultural gratuita
acompanhará a exposição.
PERCURSO – SEIS NÚCLEOS
·
Núcleo 1 – Da Kutanda
ao Quitandinha – Salão Dom Pedro
Com curadoria de Filipe Graciano e Renata de Aquino, este segmento mostra para o público os primórdios
do povoamento de Petrópolis, a presença das populações africanas, suas tecnologias e saberes. Na entrada,
estará a reprodução de um mapa do século
18, pertencente ao Museu Imperial de
Petrópolis.
Primeiras medições de terras petropolitanas, 1722.
O conceito que alicerça
este núcleo e a seleção de obras é a tese de doutorado de Renata de Aquino, em 2018, “Afroinscrições
em Petrópolis: História, Memória e Territorialidades”, resultado da
pesquisa feita com a toponímia da região,
a tradição oral e a arqueologia. “Além da história branca
de Petrópolis, oficial, há indícios científicos da forte presença de
escravizados africanos, com suas tecnologias, saberes e idiomas. A culinária, o manejo da terra, dos grãos, do
barro, da flora medicinal, essas tecnologias trazidas pelos negros ficaram
invisibilizados pela nossa história oficial. Os conhecimentos africanos foram
se transferindo com o tempo, e agora estão ganhando seu devido espaço”.
PRESENÇAS E TERRITÓRIOS NEGROS
Filipe Graciano, arquiteto e
urbanista, idealizador do Museu de
Memória Negra, de Petrópolis, observa que a exposição revela não apenas a
ideia de outras presenças, além da branca, “mas também o que foi aquele
território”. “Queremos recuperar as origens das referências, tanto das terras
que antes eram indígenas e depois foram ocupadas como fazendas imperiais, como
a palavra quitanda, que no kimbundo, idioma falado em Angola, no antigo Reino
do Dongo, origem de uma grande parte da população escravizada no Brasil”,
explica. “Apresentamos uma outra possibilidade de olhar este passado histórico:
as tecnologias, as filosofias, as relações de quilombos”.
Os bailes do Furacão 2000
começaram em Petrópolis, no início
dos anos 1970, conta Filipe Graciano,
e foram feitos no Quitandinha. Na
exposição isso será lembrado em um documentário de Aline Castella e fotografias do Acervo Guarany, o criador do evento. “Ele sonorizava bailes black, e introduziu o soul, com um paredão de caixas de som
de dois mil volts, daí o nome 2000”, diz Graciano.
Registros de outros bailes no local – carnaval,
black funk, jambetes e gafieira – também
estarão na mostra.
Dispostas de acordo com
os subtemas “Terras e Toponímias”, “Origem da Palavra”, “Quitandinha
de erê”, “Tecnologias Africanas”,
“Mensagens suburbanas e memórias do
território”, estarão obras dos
artistas Achiles Luciano (uma
videoinstalação com dois vídeos de animação, de 2023); Yhuri Cruz (a faixa “Negrociação” e o vídeo com o registro da performance com a faixa, “Minha língua
está em sua boca e eu a quero de volta”, ambos de 2022); GRES Acadêmicos Grande Rio (imagens e peças do enredo do carnaval
de 2023, "Quitandinha de erê"); PV
Dias (seis obras da série “Rasurando Fidanza”, com pigmento mineral e
nanquim sobre papel, de 2019; Gê Viana (três obras em colagem digital
sobre gravuras de Debret – “Levantamento do mastro. Festa do Divino Espírito
Santo”, “Quitanda da cura desde 1810” e “Homens cultivam plantas e cogumelos em
sua moradia. Com o forte cheiro das plantas em torno passarinhos se aproximam
tentando aproveitar do licor das flores”, de 2020); Carybé (livro “Iconografia dos Deuses Africanos no Candomblé da
Bahia”, 1980); Aline Castella (“Guarany
– Eu sou o menino do Cinema Paradiso”, minidocumentário, 16’16, de 2019); Acervo Guarany (Fotografias “Furacão 2000”, “Furacão 2001” e
“Furacão 2002”); Ana Beatriz Almeida (“A
Iniciação: O Mercado”, fotografia e vídeo, 7’37); Rafaela Pinah (três fotografias da série “Tramas e Translado”, da
coleção Coolhunter Favela); e Heitor dos
Prazeres (“Feira com Figuras”, óleo sobre tela, de 1961).
·
Núcleo 2 – Tomás Santa Rosa (1909-1956) – Salão Social,
Piscina, Galeria das
Estrelas, Gaiola e Jardim de Inverno.
Autor dos murais da Piscina e do Café-concerto, e da pintura decorativa de biombos, o artista paraibano Tomás Santa Rosa, que migrou para o
Rio de Janeiro em 1932, tem sua
importante trajetória mostrada em vários espaços do CCSQ. Com curadoria de Bruno
Pinheiro e Marcelo Campos, o
público verá as áreas de atuação marcante de Santa Rosa na cenografia,
figurino, capas de livro, pinturas, aquarelas e caricaturas.
Piscina com os murais de Santa Rosa e a
reconstrução do ambiente de época
Em 1938, Santa Rosa fundou a companhia teatral Os Comediantes, junto com Luiza Barreto Leite e Jorge Castro, que em
1943 revolucionou o teatro brasileiro com a montagem de “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues, e direção de Ziembinski (1908-1978). A inventiva
cenografia do espetáculo, feita por Santa
Rosa, foi um dos elementos marcantes do espetáculo.
Bruno
Pinheiro
salienta que “Santa Rosa desempenhou
um papel crucial na transformação do
espaço cênico no Brasil, promovendo inovação, experimentação e a elevação do
status da cenografia como uma forma de arte essencial para o teatro,
influenciando na materialização de cenários por meio de cores e formas, luz e
sombra”. Da mesma forma, como capista de
livros, Santa Rosa foi “fundador
do design de livros moderno”, afirma o curador. De 1933 a 1956 foi o principal capista da
editora José Olympio, em mais de 200
livros. Exemplos são “Caetés” (1933), de Graciliano
Ramos, e “Cacau” (1934), de Jorge
Amado.
No Quitandinha, Santa Rosa tem uma participação importante ao criar em 1944 o mural da Piscina, alusivo a “Vinte mil léguas submarinas”, de Júlio Verne.
A exposição marca o início do projeto de
restauro das obras de Santa
Rosa no Quitandinha, com a
prospecção da pintura original de parte do painel do Café Concerto, e de um biombo.
Na Galeria
das Estrelas e no Jardim de Inverno
o público verá os croquis e as reproduções da decoração do carnaval
carioca em 1954, criada por Santa Rosa, quando os motivos
carnavalescos – músicos, baianas, foliões – foram espalhados pela cidade, do
Centro aos coretos e praças dos subúrbios.
Galeria
das Estrelas,
com reprodução do carnaval de 1954 criado por Santa Rosa
No Salão
Social estarão mais de 40 pinturas, desenhos, guaches, aquarelas,
ilustrações e caricaturas feitas por Santa
Rosa.
·
Núcleo 3 – Flip (Felipe Yung) – Instalação “Siga Flutuando”, de–
Salão Mauá
O curador Marcelo Campos convidou o artista Flip (Felipe Yung) a ocupar os 1.900 metros quadrados do Salão Mauá. Atuante na arte urbana desde os anos 1990, no Brasil e no
exterior, Flip cria personagens, seres imaginários, que por muitas vezes são
feitos em grandes proporções sobre empenas de prédios. Para se relacionar com
as dimensões superlativas do espaço, ele criou a instalação “Siga flutuando”, uma escultura
inflável com cerca de oito metros de
altura e nove metros de diâmetro.
Os seres aquáticos vêm sendo
pesquisados por Flip, sobretudo, as
águas-vivas. “Vemos, então, no imenso salão
azul o desafio enfrentado de modo tão peculiar pelas águas-vivas: seguir flutuando. Lembremos que as
águas-vivas também são chamadas medusas,
seres que se caracterizam por extensões tentaculares gigantes, encimadas por um
corpo, todo ele, translúcido. Assim, luminosas e estridentes cores são captadas
pelas cnidárias, seu nome científico”, explica Marcelo Campos.
Pensar o fundo do mar
nos aproximou do artista, assim como nos fez recordar do mural de Santa Rosa na Piscina do hotel-cassino. “Aqui, os 80 anos do Quitandinha são comemorados, mantendo a ousadia, olhando
a instalação, toda ela, um desafio. Pensar, fabular e convidar o público a
conhecer, pela arte, as múltiplas possibilidades de uma natureza extravagante.
E, de modo consciente, como interessa ao artista, refletir sobre possíveis
desequilíbrios naturais quando da presença excessiva das águas-vivas no mar”,
diz o curador.
·
Núcleo 4 – Anna Bella
Geiger e os 70 anos de Arte Abstrata – Salão Social 1 e 2
Um dos nomes mais
importantes da arte brasileira, Anna
Bella Geiger (1933) terá um destaque especial na exposição, e seu
depoimento sobre aquele evento histórico, realizado há 70 anos, foi precioso para conduzir “os caminhos e hipóteses sobre
o protagonismo do Quitandinha em
suas realizações artísticas”, conta o curador Marcelo Campos.
Em 1953, o Quitandinha
sediou a primeira exposição de arte
abstrata do país, organizada pelo artista Décio Vieira (1922-1988), residente em Petrópolis, e integrada por Anna Bella Geiger, Lygia Clark (1920-1988), Fayga
Ostrower (1920-2001), Aluizio Carvão
(1920-2001), Antonio Bandeira
(1922-1967), Ivan Serpa (1923-1973),
Lygia Pape (1927-2004), Zélia Salgado (1904-2009), Tomás Santa Rosa, Abraham Palatnik (1928-2020), Rossini
Perez (1932-2020), entre outros.
No Salão Social 1 estarão expostas obras que participaram desta
mostra, e uma pequena retrospectiva de Anna
Bella Geiger, com os seus primeiros exercícios na abstração, e sua precursora atuação junto à videoarte. “Anna Bella faz
filmes onde seu próprio corpo, o corpo de uma mulher, está presente nas cenas,
naquilo que, décadas depois, chamaríamos de artista enquanto personagens das
autofabulações”, observa o curador. “Em filmes, a artista denuncia a ‘bu-ro-cra-cia’,
pensa a ideologia como força política. Com isso, hoje, Anna Bella está citada nos livros e participa de grandes mostras
mundiais sobre a presença das mulheres nas artes visuais”.
No Salão Social 2, será exibido um documentário com Anna Bella Geiger, feito especialmente para esta exposição, com uma entrevista feita no ateliê da artista por Marcelo Campos, onde a artista comenta sobre obras apresentadas na 1ª Exposição Nacional de Arte Abstrata.
“Ela segue nos contando
sobre o que significava essa ‘nova estética’ da abstração, o que reforça a
vanguarda da iniciativa. Não havia, na época, espaço interessado em arte
abstrata: ‘Toda a América Latina era figurativa’, nos disse Anna Bella, e especifica os detratores
da arte abstrata nas artes e na imprensa”, conta o curador. “Por outro
lado, foi uma exposição feita em fevereiro, em pleno carnaval, o que atraiu
estrangeiros, interessados até mesmo na aquisição das obras”.
“Aos 90 anos, Anna Bella Geiger é uma das mais importantes artistas em atividade.
Tem, desde muito nova, o compromisso com o experimentalismo
nas artes visuais. Participa de momentos emblemáticos da história da arte no
Brasil como uma mulher pioneira na
gravura, na videoarte, na pesquisa sobre as relações com a geografia cultural,
o que hoje chamaríamos de ‘arte global’”, destaca o curador.
Ela foi aluna nos ateliês de Fayga
Ostrower e, desde então, é atenta para as questões políticas, jamais separando a arte de seus compromissos
sociais. Muda-se para Nova York em 1954, frequentando os cursos da historiadora
da arte Hanna Levy Deihnardt, no
MoMA. Em 1960, Anna Bella retorna ao
Brasil e participa dos cursos de gravura no Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro. Em 1961, expõe gravuras abstratas na VI Bienal
Internacional de São Paulo e recebe o I Prêmio de gravura no XVIII Salão de
Arte Moderna da Bahia. Seu interesse pela abstração
gera uma pesquisa, junto com Fernando
Cocchiarale (1951), pautada em depoimentos de artistas e críticos de arte,
publicada em livro pela Funarte, e que é referência sobre o assunto. Como
participante desses primeiros capítulos da arte contemporânea brasileira, Anna Bella Geiger se mantém em
atividade ininterrupta, experimentando o que há de mais atual e ousado em cada
um dos períodos da história do mundo.
“É uma educadora, formadora de muitas
gerações de artistas, e segue atenta aos modos como a arte e a cultura mundiais
criam relações e vizinhanças. Participa de leituras de trabalhos de artistas em
residências internacionais. Mantém a vivacidade loquaz e eloquente de quem
presenciou os horrores do conservadorismo e da tirania e, ainda assim, seguiu
acreditando nas ‘correntes culturais’, título de uma de suas obras, que nos
fizeram chegar até aqui para aplaudi-la”, diz Marcelo Campos.
·
Núcleo 5 – Wilson Tibério
(1920-2005) – Sala de Convenções
O curador Bruno Pinheiro
buscou em vários acervos pinturas, desenhos,
esculturas, ilustrações, documentos e vídeos do artista
nascido em Porto Alegre, que irão compor este núcleo. A importante trajetória
do pintor, que foi ativo militante antirracista, é pouco
documentada, desde que se mudou para Paris,
em 1947, onde se baseou para
constantes viagens à África.
Depois de
freqüentar ateliês em sua cidade natal, Wilson
Tibério decidiu ir para o Rio de Janeiro, onde, para sobreviver, consegue
publicar em jornais e revistas seus desenhos
do cotidiano do Centro da cidade, com seus trabalhadores ambulantes,
frequentadores de bares e transeuntes. “Pessoas que retratava à distância ou
que interagia durante sua prática artística”, conta o curador. Esta produção “se
tornou também um modo de Tibério praticar e fazer circular sua arte, a despeito
da falta de um estúdio e melhores condições para trabalhar com outros formatos”.
Passou a expor anualmente no Salão
Nacional de Belas Artes na categoria Artes Gráficas. Neste período, conheceu Abdias Nascimento e Aguinaldo Camargo (1918-1952), e com
eles não apenas se engajou na luta política contra o Estado Novo, como aderiu de imediato à ideia da fundação do Teatro Experimental do Negro. Em 1944, Tibério esteve no primeiro encontro do grupo no bar Amarelinho, no
centro do Rio de Janeiro, e acompanhou a montagem de “O Imperador Jones”, de Eugene O’Neill, com direção de Abdias, escolhida por tratar de temática racista, estréia do TEM, em maio de 1945. Em outubro do mesmo ano, fez “Motivos Afro-Brasileiros”, sua
primeira exposição individual, na Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), e que deu início a uma sequência de mostras “em
que apresentava uma visão ampla da experiência negra de diferentes regiões do
Brasil, entre retratos, cenas íntimas da vida cotidiana e celebrações públicas”.
Acompanhou Abdias Nascimento e Aguinaldo Camargo, e outros
intelectuais negros, a encontros com partidos políticos recém-saídos da
ilegalidade para promover uma agenda
marcadamente antirracista.
Em 1º de maio de 1946,
Tibério fez uma exposição com 127 obras no Quitandinha, que teve grande
repercussão na imprensa. O pintor aproveitava cada entrevista para homenagear
homens e mulheres, brasileiros e estrangeiros, reverenciados pelos movimentos negros: os abolicionistas José do Patrocínio e o norte-americano George W. Carver; a iyalorixá Mãe Menininha do Gantois, o ator e cantor Paul Robeson, protagonista da primeira remontagem de “O Imperador
Jones”, em 1925; e a cantora lírica Marian
Anderson, que visitaria o Brasil dois anos depois, sendo calorosamente
acolhida em eventos sociais pelo TEM.
Foi um ano de
intensos debates políticos, em torno da nova constituição federal, assinada em
setembro de 1946. Wilson Tibério vai a Paris, de onde intencionava ir para a África.
Concretizou seu desejo em 1947, quando
se mudou definitivamente para a França, de onde partiu para viagens a diversos territórios do continente africano,
registrando em suas pinturas o cotidiano e ritos religiosos das populações,
como também “sua revolta contra as violências do poder colonial”. Nas décadas
seguintes, passou a integrar círculos formados de intelectuais negros de todo o
mundo, participando
de importantes eventos sobre as artes negras, como
o 1º Congresso de escritores e artistas negros na Universidade de Sorbonne, Paris, em que ilustres pensadores, como
Leopold Senghor, Eduard Glissant, Frantz Fanon e Aimé Cesaire estavam
presentes. Em Dacar, em 1966, Tibério participa do 1º Festival Mundial de Artes
Negra, hoje um evento emblemático para se pensar a produção afrodiaspórica no
mundo. Ele viveu “na constante Diáspora
Africana até sua morte, em 20 de julho de 2005”, conta Bruno Pinheiro.
·
Núcleo 6 – Quitandinha 80 anos –
Varandas
“Pensar a história deste lugar é rever seus arquivos,
observar as contradições nas festas da elite, reunir reportagens de jornal,
fotografias e, sobretudo, perscrutar suas realizações artísticas. Com isso,
ocupamos todo o palacete, procuramos, antes de expor obras de arte, perceber
locais que já, em suas dependências, abrigavam exposições, como os espaços da varanda que ficavam repletos de
cavaletes, exibindo obras de grandes artistas”, diz Marcelo Campos. “Por esses mesmos salões, passaram trabalhadores e
trabalhadoras, músicos, motoristas, arrumadeiras. Trouxemos, em arquivos
sonoros, os depoimentos de Nelson
Silvério Evangelista e da atriz e acordeonista Adelaide Chiozzo, entre outros trabalhadores que estiveram na
construção e nos eventos do Palacete. Aqui, passaram nome ilustres, como João Gilberto, Roberto Carlos, Jair Rodrigues e
Wilson Simonal”, destaca.
Com pesquisa e desenvolvimento de Ana Cunha, Flávio Menna Barreto, e Jeff Celophane, o público verá fotografias, documentos, plantas e objetos dos primeiros anos de
funcionamento do Quitandinha.
A recriação do mobiliário de época, com uma releitura dos biombos utilizados, que servirão
de suporte para as fotografias e textos, vai ambientar o público no que foi a
atmosfera do local, nos anos 1940.
Como parte da revitalização do
mobiliário, os pufes centrais foram
restaurados, e serão utilizados para criar a paisagem sonora que costura sons, músicas da época e depoimentos
SERVIÇO: Exposição“Da Kutanda ao Quitandinha – 80 anos”
Abertura: 1º de dezembro de 2023, a partir das 10h
Até 25 de fevereiro de 2024
Centro Cultural Sesc Quitandinha
Avenida Joaquim Rolla, nº 2, Quitandinha, Petrópolis
Terça a domingo, e feriados, das 9h30 às 17h (conclusão do itinerário até as 18h)
Visitas guiadas: terças a domingos e feriados, das 10h às 16h30 (conclusão do itinerário até as 18h)
Visitação ao entorno do Lago Quitandinha: terças a domingos e feriados, das 9h às 17h (em caso de chuva a visitação é suspensa)
Entrada gratuita
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