Conheça a sinopse do enredo "Azeviche Ascensão da Aúrea Cor " da Escola de Samba União Imperial !



 Prologo: 

 A liberdade sempre fora o lastro do povo africano, bem como seu ímpeto de luta e poder de inteligir a cerca de construções civilizatórias. No entanto no decorrer da idade média, poderes europeus buscaram essa diminuição de seus feitos, de sua soberania, até que obtiveram o poder sob sua liberdade. 

 Em 2024 a União imperial vem para a passarela Dráuzio da Cruz, fazer jus as suas raízes culturais, reafirmar a relevância social e étnico-racial da negritude como um símbolo do movimento politico e libertário na cidade de Santos, ciente que a bravura e tenacidade atravessaram o mar no sangue dos povos africanos, que aqui em nossa terra fora derramado no açoite, e brotou como uma pedra preta, milenar e valiosa. 

Um azeviche.

Sinopse: 

 Voltamos ao Brasil pré-colonial, a fauna e a flora abundantes derramam por toda extensão de terras sua beleza intocada. E entre 1538 e 1542 chega à cidade de Santos o primeiro navio carregando escravizados africanos, a fim de substituir a mão de obra indígena, e atendendo o movimento jesuíta que caminhava em direção ao fim da mão de obra escrava dos índios. Piedade e humanidade não replicada na escravidão africana. 

 Durante mais de dois séculos, a escravidão condicionou os negros africanos de Santos a servidão e subserviência, salvo pequenos grupos isolados que tentavam fugas sem sucesso, muitas vezes açoitados ou mortos por capitães do mato. Somente em meados do século XIX movidos pelo ímpeto de luta e resistência, e contando com o apoio de grupos abolicionistas, começam a se formar os primeiros quilombos na região, e a luta por liberdade ganha um local de resistência. Os quilombos foram cruciais na defesa da liberdade do negro em Santos e no Brasil, entretanto, na cidade de Santos, figuras se destacam no agrupamento organizado dos quilombolas e o movimento passa a ser emoldurado por pessoas como Pai Felipe, negro escravizado que carregava no rosto as nobres marcas da realeza africana. Pai Felipe funda seu próprio quilombo, com grande relevância cultural, contemporâneo ao quilombo do Jabaquara, que fora fundado em 1882, em terras cedidas por Américo Martins e Xavier Pinheiro, brancos fazendeiros da elite santista, que levam o quilombo a ganhar protagonismo nacional na luta abolicionista, chegando a ser ocupado por mais de 10.000 ex-escravizados, sejam fugidos do planalto paulista, ou comprados por mecenas que financiavam o movimento em prol do fim da escravidão, como a própria maçonaria, que desde os primórdios destes movimentos, já estava presente nas trincheiras libertárias.

O grande quilombo do Jabaquara teve um importante líder, o sergipano Quintino de Lacerda. Nascido em 1839 no estado nordestino de Sergipe, vai para Santos com 19 anos após ser vendido pelo seu então dono Major Antônio dos Santos Leite, posteriormente a implementação de um tratado entre Portugal e Inglaterra que proibia o comercio transatlântico de escravos, visando acabar gradativamente com a escravidão no Brasil, levando a costa brasileira a ser vigiada por navios ingleses naquele período. Quintino chega a Santos para servir no ganho doméstico, e a convivência com aristocracia lhe garante uma educação diferenciada dos escravos chamados comuns, e após 8 anos ganha sua carta de alforria. Ali ele começava a ganhar evidente protagonismo no movimento quilombola e abolicionista. 

Quintino contava com um relevante apoio, e chegamos ao nome de José Teodoro Santos Pereira, ou como ficou conhecido, Santos Garrafão. Garrafão ganha esta alcunha pelo biótipo baixo e gordo, e foi responsável pela ajuda em manter o quilombo do Jabaquara que acolhia os escravizados, sejam os recém-chegados em fuga vindos pela serra do mar, ou comprados a fins de alforria-los

Santos Garrafão funda posteriormente seu próprio quilombo na região do centro histórico de Santos, onde hoje se encontra a praça Antônio Telles, e lá vivia maritalmente com a exescravizada Brandina, que vinha a ser dona de uma pensão na rua Setentrional, ao lado do atual prédio da alfandega. Brandina era uma negra de aparência forte e atenta, e usava parte de seus ganhos na pensão para ajudar os quilombolas e comprava escravizados para alforrialos. 

A negritude santista estava definitivamente organizada, e passava a garantir suas próprias leis e hábitos, da mesma forma como em todo Brasil, os quilombos se tornam os maiores símbolos de resistência contra a escravidão, e naquele momento o quilombo do Jabaquara já ocupava a posição de segundo maior quilombo do país, ficando atrás apenas de Palmares. A luta abolicionista e as organizações quilombolas entram na mira da coroa portuguesa, e principal alvo do império.

Em 1887 acontece uma grande fuga nos cafezais paulistas, o que deixou alarmados os proprietários rurais, receosos de ficar sem mão de obra. A maior parte dos escravizados que conseguiam uma fuga exitosa, rumavam para a serra do mar em direção ao quilombo do Jabaquara, que desde o início de 1886 já era considerado território livre. Esses territórios livres desestabilizavam a ordem senhorial. Para não ver suas senzalas vazias do dia para a noite, os senhores de terra, em concílio, decidiram promover cerimônias públicas de concessão de contratos de liberdade. A luta abolicionista chegava próxima ao seu fim.

Em 13 de maio de 1888.

 “Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888. Declara extinta a escravidão no Brasil. A princesa Imperial, Regente em Nome de Sua Majestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembleia Geral decretou e Ela sancionou a Lei seguinte: 

Art. “1º É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil.”

 Com a sanção da lei áurea, o Brasil findava oficialmente o capitulo mais cruel e tenebroso de sua história, entretanto o império não dava garantia nenhuma à aqueles que outrora haviam sido arrancados a força de suas pátrias e seu continente. Os negros estavam “entregues à própria sorte”, virando uma página macabra dos capítulos que constroem a luta da negritude no Brasil, mas não finalizando esta pérfida história. 

 Mas a subalternidade jamais fora ponto comum à negritude, e enfrentando todas as adversidades, Quintino de Lacerda, o líder do quilombo do Jabaquara assina terminantemente seu nome na história da politica brasileira, foi promovido a Major honorário, e em 1895 é eleito vereador na cidade de Santos, mas é impedido de tomar posse pelos outros vereadores, que se negavam a compartilhar o poder com um negro. Sua eleição faz eclodir uma grande crise política fomentada pelos setores racistas. A batalha judicial que se segue, chega aos tribunais paulistanos, e termina com a vitória de Quintino. Prevendo o desfecho em favor do líder negro, o presidente da Câmara de Santos, Manoel Maria Tourinho, renunciou ao mandato, seguido pelo vereador Alberto Veiga. O novo presidente, José André do Sacramento Macuco, foi obrigado a empossar Quintino. O abolicionista passa a ser o primeiro politico negro eleito em nosso país. 

A cidade de Santos, não por acaso, carrega em sua bandeira a palavra ‘liberdade’. E na comarca de Santos aconteceu a maior batalha judicial em prol da libertação de escravizados. Voltando um pouco no tempo, em 5 de abril de 1868, morre o comendador português Manoel Joaquim Ferreira Netto, e a pratica comum deste período era que os negros escravizados pertencentes a determinado senhoril ganhassem sua alforria após a morte de seu senhor, era o chamado “alforria post mortem”. Entretanto neste capitulo jurídico da historia abolicionista, chamada “Questão Netto”, não foi cumprida essa determinação, e 217 escravos permaneceram sob o domínio e o trabalho forçado dos herdeiros e ex-sócios do falecido comendador.

A história chega aos ouvidos de um baiano ex-escravizado, que vivia na cidade de São Paulo, Luiz Gama. Negro e pobre, Luiz Gama, nascido em Salvador (BA), era um ex-escravo que aprendeu a arte do Direito na prática, trabalhando na polícia paulista e frequentando a biblioteca particular do seu chefe, Furtado de Mendonça, que o protegia. Compreendendo a legislação brasileira, a usou contra os senhores de escravos, sempre com êxito. Ao longo da carreira, obteve, em muitas das vezes sem cobrar nada, a liberdade de centenas de cativos por meio judicial, sendo a “Questão Netto”, considerada o maior da história do Brasil.

O caso ganhou proporção nacional com uma sequencia de vitórias de Luiz Gama, inclusive ganhando de grandes advogados da época, e somente no ano de 1872, quando o caso chega ao Supremo Tribunal de Justiça no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Somente em 1878 os escravos são finalmente libertados, porém dos 217 do inicio do processo, apenas 130 permaneciam vivos. Luiz Gama recebe o titulo de patrono da abolição no Brasil.

 A cidade de Santos nesse período entra definidamente na vanguarda da politica reparadora e libertária da negritude no Brasil. E em março de 1886, alguns anos antes da abolição da escravatura no Brasil, o Teatro Guarany se tornou palco de um dos maiores atos abolicionistas de Santos, onde nos porões do teatro doze escravos ganharam cartas de alforria, compradas por políticos locais, traçava-se ali o destino de um espectro politico onde a negritude ganharia outros momentos de protagonismo.

 E em 1927 nasce na cidade de São Vicente, no litoral paulista, Esmeraldo Tarquínio, um dos capítulos mais celebres dessa luta racial na politica santista. Esmeraldo participou de um período onde a cidade de Santos era chamada de “Pequena Moscou”, devido às ligações com pensamentos de politicas trabalhistas, e neste cenário, o politico negro vicentino se torna vereador e deputado sendo em 1968, eleito prefeito de Santos. Entretanto não assume o cargo, devido à uma cassação movida pelas mãos pérfidas da ditadura militar que governava o Brasil naquele período. Mas o ímpeto de luta e resistência que os negros santistas carregam no sangue mostraria seus frutos.

As terras santistas que um dia sentiram o dissabor do sangue negro derramado, viu brotar uma joia preciosa. A filha ilustre, a pedra preciosa, nasce não apenas como fruto da Liberdade e da Caridade, mas também, como resultado de séculos de luta e resistência, e o azeviche santista recebe o nome de Alzira Rufino.

Quando criança, Alzira trabalhou com seu irmão vendendo sacos vazios de cimento e peixe com sua mãe, catadora de café. Apesar da infância pobre, sua mãe mantinha o firme propósito de que seus filhos tivessem educação formal, por isso nunca negligenciou seus estudos. Aos sete anos, Alzira foi incentivada por uma professora a escrever um diário para expressar seus sentimentos, marcando o início do seu interesse pela escrita. Nascia a poetiza. 

Nos anos 70, começou a se envolver em diferentes frentes de movimentos políticos e sociais, e na década de 80 passou a frequentar eventos do movimento de mulheres negras. Em 1986, fundou o Coletivo de Mulheres Negras da Baixada Santista, um dos mais antigos grupos em prol da emancipação de mulheres negras na sociedade brasileira. Alzira semeava os frutos que futuramente colheria, e em 1990 funda a Casa de Cultura da Mulher Negra, com projetos psicossociais, combate a violência domestica e busca por igualdade das mulheres negras. As sementes já latentes davam inicio a germinação, ao mesmo passo que lapidavam Alzira, o nosso azeviche santista.

Alzira Rufino carregou séculos de luta e resistência em seu discurso e jornada, sendo ela a consequência da teimosia de tantos negros e negras, que um dia tornou fértil as terras que a fez germinar, e ela seguiu a missão.

O ímpeto tenaz trazido no sangue africano, que fora derramado outrora no açoite, hoje fez brotar a continuidade da luta incessante ancestral. O abrolhar da semente presente no grito de liberdade dos escravizados e na cor azeviche, permeou as terras santistas, e hoje olham o futuro sendo construído com novos olhares que bebem na ancestralidade e vê em figuras como Djamila Ribeiro, filósofa, feminista negra, escritora e acadêmica brasileira, o florescer do cerne ideológico plantado dentro dos quilombos santistas, e no olhar libertário do primeiro negro escravizado aportado no cais velho que pisou nessa terra de caridade e liberdade.

Hoje a União imperial viu a construção e contribuição da negritude na formação de sua cidade, da sociedade e povo santista. Personagens que defenderam com bravura a dura pena do existir, e fez do sangue derramado amalgamado ao suor forçado, o combustível fertilizante para brotar desta terra o milenar Azeviche, e ascender a áurea cor.

Renan Ribeiro e Wallacy Vinicyos 

Carnavalescos 

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