Teatro | Milo Rau, Ailton Krenak e MST em 'Antígona na Amazônia', no dia do Massacre de Eldorado de Carajás - 17/04

 

Antígona na Amazônia: imagem da campanha

Foto de Armin Smailovic

SOBRE ANTÍGONA NA AMAZÔNIA
No estado brasileiro do Pará, próximo à cidade de Marabá, onde 21 militantes do MST foram assassinados pela polícia militar em 17 de abril de 1996 em uma estrada através da floresta amazônica durante uma "marcha pela reforma agrária", Milo Rau está encenando uma nova versão do "Antígona" de Sófocles junto com o movimento sem-terra MST e ativistas indígenas na primavera de 2023. A peça culmina com uma encenação do próprio massacre, no local e no aniversário do crime, como parte da cerimônia anual de rememoração dos mortos, durante o acampamento da juventude na Curva do S. O papel de Antígona é desempenhado pela ativista indígena Kay Sara, e o coro é formado por sobreviventes do massacre e suas famílias que vivem no Assentamento 17 de abril, terra ocupada, desde 1996. E finalmente, o vidente cego Tirésias é interpretado pela liderança indígena, ambientalista e escritor mundialmente conhecido, Ailton Krenak. Antígona na Amazônia estreará em 17 de abril de 2023, às 9h, em uma ocupação em uma rodovia federal que corta a Amazônia, a chamada "Transamazônica" no exato dia e local do massacre.

 

PRÓXIMAS DATAS

17/04/2023: reencenação do Massacre de 17 Abril 1996 (mais informações abaixo)

13/05/2023: estreia mundial de Antígona na Amazônia em Gante (Bélgica), no NTGent

19-21/05/2023: Antígona na Amazônia em Amsterdã (Países Baixos), no ITA

25-27/05/2023: Antígona na Amazônia em Viena (Áustria), no Festival de Viena (Wiener Festwochen)

01-04/06/2023: Antígona na Amazônia em Frankfurt (Alemanha), no Künstlerhaus Mousonturm

13 e 14/06/2023: Antígona na Amazônia em Douai/Arras (França), Tandem Scène Nationale

17/06/2023: Antígona na Amazônia em Roterdã (Países Baixos), no Schouwburg

16-24/07/2023: Antígona na Amazônia no Festival d’Avignon, Avignon (FR)


Ainda este ano, Antígone na Amazônia também pode ser visto em Basiléia (Suíça), Roma (Itália), Bydgoszcz (Polônia), Lyon (França), Lisboa (Portugal), Porto (Portugal), Madri (SPA), Châteauroux (França), Paris (França), Bruges (Bélgica), Turnhout (Bélgica) e Antuérpia (Bélgica).

"A renovação intelectual não virá dos condomínios fechados, onde o neoliberalismo autoritário emergiu. A filosofia da era vindoura virá das florestas, das favelas e dos banlieues, das ocupações e das ocupações de monoculturas" — MILO RAU SOBRE SUA COLABORAÇÃO COM O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA



Assista ao trailer

 

 

SINOPSE

Para Antígona na Amazônia, Milo Rau e sua equipe viajam para o estado brasileiro do Pará, onde as florestas queimam devido à expansão das monoculturas de soja e a natureza é devorada pelo capitalismo. Juntamente com indígenas, ativistas e atores, a Antígona de Sófocles é recriada em uma ocupação agrária na Amazônia brasileira. Recriada como um choque sangrento da sabedoria tradicional contra o turbo-capitalismo global; um épico da luta da humanidade contra sua queda autoinfligida em ganância, cegueira e húbris.

******

Para esse experimento, o Elenco Global do NTGent se une a artistas brasileiros. Pela primeira vez na história do teatro, uma atriz indígena, Kay Sara, interpreta Antígona, o coro da tragédia consiste em sobreviventes do maior massacre dos sem-terra pela polícia militar brasileira até hoje e Tirésias é interpretado pela liderança indígena, ambientalista e escritor mundialmente conhecido, Ailton Krenak.

Antígona na Amazônia estreará em 17 de abril de 2023 em uma ocupação em uma rodovia federal que corta a Amazônia, a chamada "Transamazônica" no dia e local do massacre. A estreia europeia será em 13 de maio de 2023 no NTGent (Gante, Bélgica), conduzida pelo diretor artístico Milo Rau.

 

Paralelamente à peça, uma campanha para salvar a Amazônia está sendo desenvolvida em conjunto com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e muitas outras ONGs.

 

Pela primeira vez na história do teatro, uma atriz indígena, Kay Sara, interpreta Antígona.

 



Foto de Armin_Smailovic

CONTEXTO

“Muitas coisas são monstruosas, mas nada é mais monstruoso do que o homem”, diz a peça mais famosa e adaptada na literatura de tragédia, Antígona. A peça centra-se no conflito entre Antígona e Creonte, entre a sociedade tradicional e o moderno estado capitalista. Por "razões de Estado", Creonte não quer permitir o enterro do irmão de Antígona e viola a lei dos deuses - mergulhando sua família e toda a cidade em desastre. Assim, no século V a.C., Antígona surge, talvez como a crítica mais radical do que mais tarde seria chamada de "civilização ocidental" e conquistaria o mundo inteiro: uma canção sombria sobre os limites do esclarecimento e os perigos de explorar a natureza.

 

Se no tempo de Sófocles o apocalipse cantado em Antígona era uma noção sinistra, na era do Antropoceno tornou-se um fato. Portanto, em abril de 2023, Milo Rau e sua equipe reformularam Antígona como um "fim de jogo" global no Pará, o estado mais setentrional do Brasil, à beira da Amazônia. Porque aqui o futuro da humanidade está em jogo - e com ele todas as formas de vida na Terra.

 

Durante a pandemia de COVID-19, o ataque do agronegócio brasileiro e seus parceiros europeus - da Ferrero à Nestlé – à maior floresta primitiva contígua da Terra, ainda se intensificou. Não apenas o pulmão verde do planeta está ameaçado, mas também as pessoas que vivem lá e suas tradições milenares.

 

SOBRE A TRILOGIA DE MITOS ANTIGOS DE RAU

Após a produção mundialmente debatida Orestes em Mosul, na antiga capital do Estado Islâmico, e o filme cristão O Novo Evangelho nos campos de refugiados do sul da Itália, Rau e sua equipe agora viajam para a Bacia Amazônica no Brasil para a conclusão de sua Trilogia de Mitos Antigos. Juntamente com povos indígenas, ativistas e atores da Europa e do Brasil, a Antígona de Sófocles está sendo recriada em uma ocupação agrária como um confronto sangrento entre a sabedoria tradicional e o turbo-capitalismo global; um épico da luta da humanidade contra sua queda autoinfligida na ganância por lucro, cegueira e húbris. E também fazendo uma pergunta para a própria arte: o que a arte comprometida pode alcançar? A arte pode ajudar onde a política falha?

 

Depois de projetos políticos, como O Tribunal do Congo e Assembleia Geral, e peças narrativas e representativas, como A Trilogia da EuropaCompaixão e La Reprise, Milo Rau se voltou recentemente para os mitos fundadores da civilização ocidental.

 

Em Mosul, a capital iraquiana do Estado Islâmico até 2017, Rau e sua equipe encenaram Orestes em Mosul (2019), baseada na Oresteia de Ésquilo, com atores iraquianos e europeus. No meio da zona de guerra, o elenco, juntamente com a Academia de Belas Artes de Mosul, fez a pergunta que talvez seja a mais premente de todas as civilizações: como encerrar a tragédia, como o perdão e, portanto, um novo começo são possíveis? O projeto teatral deu origem a uma escola de cinema que Rau e o NTGent fundaram em conjunto com a Academia de Belas Artes de Mosul e a UNESCO.

 

"A aula de cinema de Milo Rau faz história" foi a manchete na art.tv. O Arab News resumiu: "De Mosul, jovens estudantes de cinema iraquianos contam suas próprias histórias". Os curtas-metragens da primeira turma de estudantes estão atualmente em turnê em festivais de cinema europeus e um festival de cinema de Mosul (Mosul Biennale) está em preparação.

 

Com O Novo Evangelho (2019/20), que estreou no Festival de Cinema de Veneza de 2020 e ganhou, entre outros prêmios, o Swiss Film Prize, Rau e sua equipe trabalharam com refugiados, leigos e atores dos filmes sobre Jesus de Pasolini e Mel Gibson para adaptar a mensagem social revolucionária do Novo Testamento para o século XXI - provocando uma revolta pelos direitos dos imigrantes explorados pela máfia nas plantações de tomate no sul da Itália. Como parte das filmagens, distribuição do filme e um sistema justo de distribuição de tomate, mais de mil refugiados no sul da Itália foram regularizados. Assim, O Novo Evangelho é a que mais se aproxima do que Milo Rau chama de microecologias em seu livro Theatre is Democracy in Small [O Teatro é a Democracia a Menor]: "coletivos improváveis, sistemas alternativos de produção e distribuição de dignidade" que usam o sistema capitalista para humanizá-lo.

 



Preparação da sessão de fotos em março de 2020. Foto de Armin Smailovic

 

E agora, depois da Oresteia em Mosul e da Bíblia no sul da Itália, a Antígona de Sófocles é reencenada, junto com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ativistas indígenas e atores da Europa e do Brasil. Antígona na Amazônia, que Rau e sua equipe vêm preparando desde 2019 (veja entrevista abaixo), conclui o engajamento de Rau com os grandes mitos e questões da humanidade.

 

SOBRE ANTÍGONA NA AMAZÔNIA

Como nos projetos anteriores, a pergunta de Rau é: quais atores, qual constelação política permite que esse texto sobre o embate entre a sociedade tradicional e a moderna nos fale novidades? Como o teatro pode criar narrativas alternativas à utopia real de uma civilização mais justa e humana após o capitalismo? Como podemos superar o pensamento trágico juntos? Para a encenação de sua Antígona para o século 21, o diretor e sua equipe vão para o estado brasileiro do Pará, onde as monoculturas de soja estão se expandindo sobre a floresta amazônica (incendiada) e o capitalismo está - por assim dizer - devorando a natureza. A convite de e em colaboração com o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), o maior movimento sem-terra do mundo. Eles estão criando uma peça educativa sobre a devastação violenta e o deslocamento causado pelo Estado moderno, que coloca a propriedade privada - e, portanto, o comércio e a especulação globais - acima do direito tradicional à terra.

 

Os diálogos de embate entre Antígona e Creonte, bem como as passagens do coral, que têm sido reinterpretadas por 2.500 anos, serão ressignificadas em oficinas junto com ativistas do MST e atores do Brasil e da Europa. É um choque da ordem mundial liberal com a cosmologia holística dos povos indígenas do Brasil, que na era do colapso climático iminente estão cultivando uma abordagem da natureza voltada para o futuro. Mas a crítica de Sófocles à arrogância humana (húbris), à ideologia da exploração e da viabilidade, à questão da justificação da violência estatal e da resistência civil também se reflete no próprio elenco, nas histórias dos atores envolvidos e nos debates que se desenvolvem entre eles.

 


Em 1996, a polícia brasileira criou um banho de sangue contra os sem-terras. Foto de João Roberto Ripper

 

SOBRE O ELENCO

Como em Orestes em Mosul ou O Novo Evangelho, atores europeus e locais, amadores e profissionais se encontram em Antígona na Amazônia. Aqui, também, os impactados contam suas próprias histórias e submetem a tragédia mais famosa da literatura europeia a uma leitura completamente nova.

 

O papel de Antígona é interpretado pela atriz, ativista e diretora indígena Kay Sara. O coro é composto por sobreviventes do massacre cometido pela polícia militar em 1996 em Eldorado do Carajás . A performance brasileira acontecerá no dia 17 de abril de 2023 nos locais simbólicos do conflito do Estado brasileiro contra os sem-terra e a população indígena: na estrada fechada pela selva onde ocorreu o massacre, na plantação posteriormente ocupada pelos sobreviventes e habitada até hoje, e nas florestas e aldeias da população indígena.

 

Hêmon, Creonte, Ismênia e Eurídice são interpretados alternadamente pelos dois belgas Arne De Tremerie, Sara De Bosschere e o brasileiro Frederico Araujo, membros do Elenco Global do NTGent e ativistas do movimento dos sem-terra. Finalmente, no papel do vidente cego Tirésias, que prevê a autodestruição de Creonte, é interpretado pela liderança indígena, ambientalista e escritor mundialmente conhecido, Ailton Krenak.

 

SOBRE O MAKING OF E A CAMPANHA POLÍTICA

As filmagens públicas e a estreia mundial de Antígona na Amazônia serão seguidas, como uma instalação de vídeo teatral, por uma turnê pela Europa realizada em conjunto com o Movimento dos Sem Terra. O diretor brasileiro Fernando Nogari, conhecido por seus videoclipes para a cantora Selena Gomez, está fazendo um filme de bastidores sobre Antígona na Amazônia, documentando o contexto político, o processo de ensaio e produção e, em geral, a situação política naquele que é provavelmente o ponto decisivo do nosso tempo.

 

Mas tudo isso não bastou: paralelamente ao projeto teatral, está sendo desenvolvida uma campanha política que defende a produção agrícola sustentável na região amazônica. Porque onde a política falha, só a arte pode ajudar!

 

Entrevista com Milo Rau

Jonas Mayeur: Após a produção de Orestes em Mosul, na antiga capital do Estado Islâmico, e o filme cristão O Novo Evangelho, nos campos de refugiados do sul da Itália, agora segue a terceira parte de sua Trilogia de Mitos Antigos. Por que a Antígona de Sófocles e por que na Amazônia, de todos os lugares?

 

Milo Rau: “Estudei grego antigo por quase sete anos e, como meu trabalho final, fiz uma nova tradução de As Bacantes, de Eurípides. Então, as tragédias gregas sempre me fascinaram, e Antígona é, sem dúvida, a mais famosa de todas as tragédias. Goethe a chama de ápice absoluto da poesia ocidental: cristalina e profética, insanamente complexa e ainda assim grotescamente simples. De Brecht a Anouilh, de Judith Butler a Anne Carson, a peça é sempre submetida a interpretações novas. O enredo, como eu disse, é muito direto, na verdade, uma série de alguns encontros e canções corais: Quando Antígona enterra seu irmão Polinices, ela viola o mandamento de enterro do rei Creonte, pois Polinices é considerado um inimigo do Estado. O filósofo Hegel viu o confronto entre Antígona e Creonte como o confronto entre a lei divina, tradicional, e o estado moderno, racional. Para a filósofa Judith Butler, por outro lado, Antígona mina a ordem simbólica existente ainda mais radicalmente: ou seja, de seu exterior utópico, de um projeto fundamentalmente diferente da coexistência humana, dos vivos e dos mortos, do homem e da natureza. E é aí que entra a Amazônia: acho que a ‘ordem simbólica’ do Ocidente realmente precisa ser questionada e mudada de fora, das periferias do sistema capitalista.”

 

As antigas tragédias gregas moldam a cultura ocidental, foram interpretadas e encenadas centenas de vezes e são parte integrante do repertório dos teatros europeus. No entanto, isso não se aplica aos países latino-americanos, onde as tragédias gregas são culturalmente menos significativas. Por que essa escolha? Por que essa “apropriação”, por assim dizer, de Antígona pelo Brasil, pela Amazônia? Não haveria, revertendo o pensamento, muitas histórias da Amazônia que merecem ser trazidas para a Europa?

 

“O que os gregos fizeram há milhares de anos foi usar os mitos e histórias dos lugares que conquistaram para formar novos mitos. Antígona, Medeia, até mesmo a figura alegórica da própria Europa: estas são todas figuras e mitos que as cidades-estado gregas se apropriaram e transformaram na primeira alta cultura imperial europeia. As histórias dos colonizados tornaram-se os mitos dos colonizadores. Nesse sentido, simplesmente reencenar Antígona ou Medeia em Berlim ou Gante é de fato perpetuar essa apropriação cultural de milhares de anos atrás. Para mim, faz muito mais sentido que essas histórias estejam agora sendo catapultadas para fora do sistema europeu - embora globalizado - novamente, que elas estejam sendo reapropriadas pelas periferias, ressocializadas. Há um belo documentário que foi feito sobre Kay Sara após o nosso primeiro bloco de ensaios na primavera de 2020, no qual ela diz: ‘Eu não conhecia a peça Antígona, mas acho que o papel se encaixa perfeitamente em mim’."

 

COMO ESTE PROJETO COMEÇOU?

“Como a maioria dos meus projetos, não planejado, a partir de um encontro. Quando nos conhecemos em 2019 - estávamos em turnê com algumas das minhas peças no Brasil - eles disseram que gostariam de fazer algo conosco. Mostrei-lhes trechos do filme que acabara de filmar, O Novo Evangelho, ao que eles me mostraram um livro que usam em suas escolas, Ocupando a Bíblia. Eles imediatamente entenderam o que era O Novo Evangelho: a reapropriação de um mito, o mito revolucionário de Jesus, pelos excluídos, os marginalizados de hoje. Agora estamos fazendo exatamente o mesmo com Antígona: não estamos apenas criticando e adaptando Sófocles, estamos ocupando a peça, por assim dizer, assim como o movimento dos sem-terra ocupa a terra. Com os atores, as histórias e a sabedoria da Amazônia.”

 

Que papel o MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - o maior movimento social e político de trabalhadores sem-terra - desempenha na produção? Como eles interpretam Antígona e que potencial artístico e político eles veem neste projeto como um movimento político?

 

“Acho que não é coincidência que a proposta de Antígona veio deles - por causa da questão da terra e da luta contra um Estado ditatorial, ambos centrais para a peça. Quando começamos o projeto, Bolsonaro ainda estava no poder. Douglas Estebam, um dos nossos dois dramaturgos brasileiros, trabalhou com Augusto Boal, o inventor do Teatro do Oprimido. Portanto, somos muito próximos em termos de nossa concepção geral de teatro, trabalhando com amadores, misturando encenação e ativismo, e assim por diante. A apropriação dos mitos também é muito central para o MST: a Bíblia, a linhagem dos quilombos, o movimento operário e a história recente do Brasil, especialmente, é claro, os massacres do poder do Estado, todos desempenham um papel em nossa interpretação de Antígona. Além disso, a questão de gênero e diversidade, que está muito presente em Antígona, é absolutamente central para o MST. E, por fim, o uso e o treinamento de coros fazem parte das escolas e da formação política do MST. A ideia de formar um coro de sobreviventes do massacre de 1996, mas também trazer ativistas dos quilombos e povos indígenas, negociando questões de gênero em pé de igualdade com as questões de terra, tudo isso é completamente lógico para o MST. E, claro, Antígona é completamente reescrita nessa apropriação: rituais amazônicos tomam o lugar dos rituais da Grécia Antiga, os coros cantam algo diferente, a música foi recomposta. E a primeira vez que li, me disseram: Por que todos se matam no final? A luta continua, não é? Então reescrevemos o final.”

 

Como diz o discurso de Kay Sara, que ela deveria ter dado em 2020 na abertura do Festival de Viena - que depois aconteceu online, como a primeira parte da Escola de Resistêncial - nós, como humanidade, estamos à beira do apocalipse ecológico. A floresta amazônica, chamada de 'Pulmão Verde do Planeta', está ameaçada; o planeta, e com ele a humanidade, atingiu um ponto de inflexão pelo qual os próprios seres humanos são responsáveis. Parece que mesmo as tentativas de evitar essa catástrofe só a aceleram. Por exemplo, as tentativas regulatórias das corporações europeias muitas vezes contribuem para o fato de que a destruição não é retardada, mas coberta com selos de qualidade e outros métodos de “greenwashing” - ou que esses selos são apenas deliberadamente distribuídos apenas para os grandes monopolistas. Como pode a encenação de uma tragédia grega que lida precisamente com as tensões entre a natureza e o homem, e o direito tradicional e moderno, contribuir para superar a tragédia? Como pode o teatro, como diz o seu Manifesto de Gante, não apenas descrever, mas realmente mudar o mundo?

 

“Esta questão tem estado no centro do meu trabalho nos últimos anos. Como resultado de Orestes em Mosul, fundamos uma escola de cinema com a UNESCO na antiga capital do Estado Islâmico. Um quarto dos alunos são meninas, e os filmes da primeira classe estão agora em turnê por festivais de cinema europeus - o que é um pequeno milagre. Ou pegue a segunda parte da minha Trilogia de Mitos Antigos, O Novo Evangelho: estabelecemos uma rede de distribuição de tomates produzidos de forma justa com mais de 200 supermercados em toda a Europa. Como resultado, desde 2019, conseguimos regularizar mais de mil imigrantes com contratos de trabalho, transformando escravos da máfia em futuros cidadãos da Europa que podem viver com dignidade. Teria sido absurdo para mim fazer um filme sobre Jesus e não levar a mensagem do Novo Evangelho ao pé da letra: os últimos serão os primeiros."

 

“Agora, no que diz respeito à Amazônia, o problema é ao mesmo tempo muito simples e multifacetado, como você disse, com razão. Porque, é claro, as grandes corporações responderam à nova consciência do consumidor. Colocando selos em seus produtos, produzindo óleo de palma sem cortes e queimaduras, biodiesel em vez de diesel tradicional, e assim por diante. No entanto, estudos científicos mostram que, por trás desses rótulos, muitas vezes há a mesma devastação, violações dos direitos humanos e deslocamento de antes. O desmatamento da selva acelerou desde que o capitalismo iniciou a produção “verde”, uma vez que a soja e o biodiesel foram introduzidos no ciclo global de commodities como “boas” matérias-primas. Pegue apenas um fato simples: a pegada de CO2 do biodiesel é três vezes maior do que a pegada do diesel fóssil. E nem um único selo aceito pela UE resiste ao escrutínio. No mesmo estado em que produzimos Antígona, há plantações de óleo de palma de produtores europeus como a Ferrero ou a Unilever.”

 

"Vejamos apenas a Ferrero: de acordo com estudos da Global Witness e da Save the Rainforest, nossos coelhos de chocolate “produzidos de forma justa”, que foram produzidos com óleo de palma “verde”, na verdade contêm o sangue de pequenos agricultores deslocados e o cheiro de queimado da Amazônia devastada. Mas se você visitar os sites das empresas em questão, a primeira coisa que você vê são longos artigos sobre sustentabilidade, produção justa, reflorestamento. O rosto da destruição é sorridente, o que nos traz de volta a Antígona. Creonte é um personagem muito interessante e deslumbrante. Não um ditador louco, mas um governante completamente moderno que sabe exatamente como transfigurar a exploração e a destruição de acordo com o “zeitgeist”. É aqui que nós, juntamente com o movimento dos sem-terra, intervimos. Vamos arrancar a máscara da face das corporações de uma maneira ativista clássica - e tentar mostrar alternativas reais. Porque “essa loucura deve parar”, como Kay Sara diz em seu discurso."

 

CRÉDITOS

CONCEITO e DIREÇÃO Milo Rau

TEXTO Milo Rau & elenco

EM COLABORAÇÃO COM Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

ELENCO

Frederico Araujo

Sara De Bosschere

Kay Sara

Arne De Tremerie

NO VÍDEO

Gracinha Donato

Célia Marácajá

e o Coro dos Militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

e, como Tirésias,

Ailton Krenak

MÚSICO Pablo Casella Dos Santos

DRAMATURGIA Giacomo Bisordi, Martha Kiss Perrone, Douglas Estevam da Silva

ASSISTENTES DE DRAMATURGIA Kaatje De Geest, Carmen Hornbostel

COLABORAÇÃO NA CONCEPÇÃO, PESQUISA E DRAMATURGIA Eva-Maria Bertschy

COMPOSIÇÃO MUSICAL Elia Rediger e Pablo Casella Dos Santos

CENOGRAFIA Anton Lukas

FIGURINO Gabriela Cherubini, An De Mol, Jo De Visscher, Anton Lukas

ILUMINAÇÃO Dennis Diels

DESIGN DE VÍDEO Moritz von Dungern

MAKING OF E VIDEOCLIPE Fernando Nogari

EDIÇÃO DE VÍDEO Joris Vertenten

ASSISTENTE DE DIREÇÃO Katelijne Laevens

ESTAGIÁRIO (assistente de direção) Chara Kasaraki, Lotte Mellaerts

GESTÃO DE PRODUÇÃO (Europa) Klaas Lievens

GESTÃO DE PRODUÇÃO (Brasil) Gabriela Gonçalves

ASSISTENTE DE PRODUÇÃO Jack dos Santos

GESTÃO TÉCNICA DE PRODUÇÃO Oliver Houttekiet

DIRETOR DE PALCO Marijn Vlaeminck

COM UM ESPECIAL AGRADECIMENTO A Carolina Bufolin

PRODUÇÃO NTGent, Instituto Internacional de Assassinato Político (International Institute of Political Murder - IIPM)

COPRODUÇÃO Festival D’Avignon, Festival Romaeuropa, Festival Internacional de Manchester, La Vilette Paris, Tandem Arras Douai, Künstlerhaus Mousonturm Frankfurt, Equinoxe Scène Nationale Châteauroux, Festival de Viena

COM O APOIO DE Instituto Goethe São Paulo, programa COINCIDÊNCIA - Intercâmbios Culturais entre Suíça e América do Sul - PRO HELVETIA, The Belgian Tax Shelter (Programa de Incentivo Fiscal ao Audiovisual da Bélgica)

 

LEIA O DISCURSO COMPLETO DE KAY SARA PARA O FESTIVAL DE VIENA AQUI (em inglês).

Este discurso também foi publicado no NRC (Países Baixos), De Morgen (Bélgica), TAZ (Alemanha) e La Republicca (Itália).

 

ARTIGOS DE IMPRENSA SOBRE ANTÍGONA NA AMAZÔNIA

Artigo de opinião de Milo Rau escrito após a primeira semana de ensaio de Antígona na Amazônia no Brasil em março de 2020:

De Standaard (Bélgica)

taz.de (Alemanha)

 

Natasha Tripney, editora internacional do The Stage, escolhe Antígona na Amazônia como uma de suas principais escolhas de teatro imperdível para 2023 para o Monocle Podcast – 23/01/2023

 

“Aufruf zum Widerstand der Indigenen: Milo Raus Antigone im Amazonas”
– 25/01/2023 – 
Detusche Welle

 

“Beyond Britain: 2023’s most exciting productions from across the globe [Além do Reino Unido: as produções mais empolgantes de 2023 pelo mundo]” – 10/01/2023 - The Stage

 

Entrevista com Milo Rau e Wolfgang Kaleck sobre o poder da arte e do direito em tempos distópicos – Das Magazin – 04/02/2023

 

ARTIGOS DE IMPRENSA SOBRE PROJETOS INTERNACIONAIS ANTERIORES DE MILO RAU:

“Can a Greek tragedy help heal a scarred city? [Pode uma tragédia grega ajudar a curar uma cidade ferida?]” – The New York Times sobre Orestes em Mosul – 17/04/2019

 

“A Director asks: would Jesus stand with today’s migrants? [Um diretor pergunta: Jesus estaria com os imigrantes de hoje?]” – The New York Times sobre O Novo Evangelho – 15/11/2019


The most ambitious political theatre ever staged? [A peça teatral de política mais ambiciosa já encenada?] – The Guardian sobre O Tribunal do Congo – 01/06/2015

 

SERVIÇO:
Antígona na Amazônia
Dia 17 de abril de 2023 em uma ocupação em uma rodovia federal que corta a Amazônia, a chamada "Transamazônica" no dia e local do massacre.
*A estreia europeia será em 13 de maio de 2023 no NTGent (Gante, Bélgica), conduzida pelo diretor artístico Milo Rau.

 

Comentários