Observatório de Combate ao Racismo no Carnaval de São Paulo e entidades negras entregam carta de reivindicações à Liga das Escolas de Samba de São Paulo
Grupo
pede que haja penalização ao presidente da X-9 Paulistana por fala considerada de
conho racista, momentos antes do desfile da escola no dia 19 de fevereiro no
Sambódromo do Anhembi. A escola que teve mau desempenho no carnaval 2023 foi
rebaixada para o Grupo de Acesso 2 da Liga.
Um grupo de especialistas e
sambistas que formam o Observatório Permanente e Multidisciplinar de Combate ao
Racismo no Carnaval das Escolas de Samba Paulistanas, acompanhado de
representantes de órgãos e instituições antirracistas e pela promoção da
igualdade racial entregou ontem, terça-feira (27), uma carta de reivindicações
ao presidente da Liga das Escola de Samba de São Paulo, Sidnei Carriuolo. O
encontro ocorreu na sede da entidade, na Fábrica do Samba, na zona oeste, com
as presenças dos membros do Observatório: as jornalistas Adriana Terra e
Claudia Alexandre; o historiador Bruno Baronetti; o radialista Moisés da Rocha,
o sociólogo Tadeu Kaçula e o cantor Thobias da Vai-Vai. Participaram ainda os
representantes da Comissão da Igualdade Racial da OAB-SP, Faculdade Zumbi dos
Palmares, Associação Nacional da Advocacia Negra do Brasil, Conselho de
Participação da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, Comissão dos
Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São
Paulo, UNAFRO-Universidade Afro-Brasileira, Coletivo Acadêmicas do Samba e
Procon Racial de São Paulo.
Antes da entrega do documento (veja
íntegra abaixo), o grupo fez diversas considerações contrárias a fala do
presidente da Escola de Samba X-9 Paulistana, Reginaldo Tadeu Batista de Souza,
conhecido como Mestre Adamastor, “que na
noite de 19 de fevereiro, na área da concentração do Sambódromo do Anhembi foi
autor de fala considerada racista, banalizando um gesto de alta simbologia e
unidade para o movimento antirracista, marco da luta e resistência do povo
preto na diáspora e contra toda e qualquer injustiça social”, conforme consta
na Carta de Reivindicações. “Viemos dizer da nossa indignação e cobrar as
medidas cabíveis divulgadas em nota oficial pela Liga, que deve uma resposta à
comunidade do samba, à história negra do samba e a toda sociedade que assistiu
pela transmissão da Liga das Escolas de Samba aquele pronunciamento lamentável.
Nada foi tirado de contexto, houve uma expressão que banalizou um símbolo de
resistência da luta negra, por isso consideramos que deve haver uma resposta
rápida”, disse a jornalista Claudia Alexandre.
O sociólogo Tadeu Kaçula lembrou que
há muito tempo o tema do “embranquecimento” no carnaval é dialético e vem
apontando o risco do apagamento da história e das narrativas negras do nosso
patrimônio cultural. “Quando um dirigente se manifesta banalizando um gesto de
luta, num espaço do povo do samba, numa festa oficial da cidade de São Paulo, patrocinada
a partir de um investimento público, incita sua comunidade a repetir um gesto e
faz uma fala que vai contra o próprio tema enredo que homenageia uma
personalidade negra como foi a Dona Ivone Lara, significa que essa pessoa não tem
empatia com os fundamentos de uma escola de samba que é, também, um símbolo de
resistência negra. Pior ainda quando se divulga um vídeo de retratação onde o
dirigente assume desconhecer um gesto universal de resistência e da luta do
povo preto”.
Outro ponto importante da
reivindicação é que haja imediata atualização do Regulamento Oficial da Liga
das Escolas de Samba com a inclusão de penalidade máxima ou banimento da escola
de samba, do presidente, da torcida que se manifestar ou provocar atos racistas
ou de qualquer forma de discriminação dentro ou fora do Sambódromo. “Que seja incluída no Regulamento a
penalidade máxima (perda de pontos e/ou banimento) e responsabilização criminal
para pronunciamentos, comportamentos e atos de racismo, intolerância religiosa,
machismo, homofobia, etarismo, xenofobismo e qualquer tipo de discriminação”.
Com a formação do Observatório o
objetivo é atuar de forma consultiva, propositiva e fiscalizadora em todas as
questões que envolvam as relações humanas e a educação do patrimônio cultural
afro-brasileiro dentro da gestão do carnaval das escolas de samba, que inclua
formação e instrução de gestores, comunidades das escolas de samba e julgadores
do concurso de carnaval. Temas como “camarotização” e precarização da ocupação
de empurrador de carros alegóricos também foram incluídos na pauta. O
historiador Bruno Baronetti ressaltou que novas lideranças carnavalescas devem
ter formação para entender a história e as origens do samba paulistano, atuando
para replicá-las, frisando ser central que os dirigentes conheçam esses
fundamentos.
O presidente Sidnei Carriuolo
ratificou a posição da Liga em repudiar a fala do presidente da Escola de Samba
X-9 Paulistana e prometeu discutir as reivindicações em uma reunião
extraordinária convocada para a noite da própria terça-feira (27), adiantando que
as mudanças no regulamento e uma campanha de conscientização seriam pontos já
aprovados. Uma nova reunião com o Observatório será marcada para alinhamento da
campanha e formalização da decisão em relação ao Mestre Adamastor.
Observatório
de Combate ao Racismo no Carnaval de São Paulo (Observatório Permanente e
Multidisciplinar de Combate ao Racismo no Carnaval das Escolas de Samba
Paulistanas)
Leia
a Íntegra da Carta de Reivindicações:
À
LIGA DAS ESCOLAS DE SAMBA DE SÃO
PAULO – Presidente Sidnei Carriuolo
O
coletivo pela criação do Observatório
Permanente e Multidisciplinar de Combate ao Racismo no Carnaval das Escolas de
Samba Paulistanas, tem o objetivo de ser um movimento multidisciplinar de
igualdade racial, de gênero, de classe e, principalmente, da preservação da
cultura das matrizes negro-africanas nas escolas de samba da cidade de São
Paulo, de caráter fiscalizador, consultivo e propositivo.
Por
meio de seus representantes abaixo assinados e com o apoio de órgãos e
instituições que atuam na promoção da igualdade racial, com ênfase na população
negra e na cultura afro-brasileira,
diante dos fatos que atingiram duramente a integridade do patrimônio
cultural material e imaterial negro, que representam as Escolas de Samba, vem
requerer junto à Liga das Escolas de Samba e São Paulo, a manifestação pública
da decisão das “medidas cabíveis internamente” tomadas em relação ao presidente
da Escola de Samba X-9 Paulista, Reginaldo Tadeu Batista de Souza, conhecido
como Mestre Adamastor, que na noite de 19
de fevereiro, na área da concentração do Sambódromo do Anhembi foi autor de
fala considerada racista, banalizando um gesto de alta simbologia e unidade
para o movimento antirracista, marco da luta e resistência do povo preto na
diáspora e contra toda e qualquer injustiça social. Fato que foi amplamente
divulgado pela mídia.
Consideramos
que este episódio lamentável expôs a comunidade do samba da cidade de São Paulo
e marca o carnaval de 2023, como ano em que o racismo estrutural se evidenciou
as consequências do processo de dominação, que há muito tempo tirado o
protagonismo da população negra da festa no Sambódromo. Ficou evidente que os
detentores do poder e da gestão do carnaval estão contribuindo para o
apagamento da verdadeira história e da função social das escolas de samba como
rede de sociabilidades, territórios onde negros e negras resistiram,
enfrentando toda sorte de violências e perseguições para manter suas heranças
negro africanas e constituir organizações que por muito tempo foram criminalizadas
e condenadas pela elite branca e racista.
Hoje,
a festa das escolas de samba paulistanas só pode ser saboreada sob os holofotes
da televisão e celebrada por milhares de espectadores das arquibancadas do
Sambódromo, porque na sua origem teve muito choro, suor e axé de famílias
negras que não abriram mão de fazer florescer, desde a época dos cordões,
organizações como Grupo Carnavalesco Barra Funda, Cordão Fio de Ouro, Cordão
Vai-Vai, Cordão Camisa Verde e Branco, Escola de Samba Lavapés, Escola de Samba
Unidos do Peruche, Escola de Samba Morro da Casa Verde, Escola de Samba Nenê de
Vila Matilde, Escola de Samba Vai-Vai, Escola de Samba Barroca da Zona Sul,
entre outras tantas que são testemunhas da raíz negra que sustenta a história
do samba paulista. Homens e Mulheres, que de protagonistas de uma luta, hoje
tem suas memórias em risco de se apagar, com o avanço do processo de
embranquecimento da gestão das escolas de samba e da gestão da festa dos
desfiles do carnaval. Em um processo muito bem explicado pela filósofa e
intelectual negra, Sueli Carneiro, através do conceito de epistemicídio.
Ratificamos
nossa preocupação com outro fenômeno prejudicial ao processo histórico da
cultura afro-brasileira que se tornou recorrente no meio, que é o “pacto
narcísico no carnaval das
escolas de samba de São Paulo”, assim como nos apontam os estudos da Dra. Cida
Bento, quando observamos o “embranquecimento da gestão” das agremiações e da
estrutura que detém o poder sobre a organização da festa, privilegiando pessoas
brancas e o afastamento de pessoas negras, o que configura a apropriação
cultural, um dispositivo do qual se vale o racismo sistêmico.
Por
entendermos nosso compromisso ancestral, no qual as transformações não podem
servir de argumento para apagar as tradições e que o passado sempre nos ajudará
a enfrentar o presente segue abaixo a nossa pauta de reivindicações:
1-Reconhecimento do Observatório Permanente e Multidisciplinar
de Combate ao Racismo no Carnaval das Escolas de Samba Paulistanas ao
constituir uma agenda de cooperação técnica e profissional que atue como um
grupo independente de caráter fiscalizador, consultivo e propositivo na
formação, reciclagem e preparação de presidentes, diretores, gestores e
julgadores dos desfiles das escolas de samba de São Paulo, como política de ações afirmativas, de
defesa e preservação das tradições afro-brasileiras da origem das escolas de
samba paulistanas;
2. Que a Liga das Escolas de Samba de São
Paulo desenvolva um Programa de Comunicação e Educação do Patrimônio Histórico
e Cultural Negro das escolas de samba, fornecendo informações, conteúdos e
eventos para comunidades das escolas de samba paulistanas, com temas sobre
relações étnico-raciais, diversidade, inclusão, questões de gênero, orientação
sexual e religiosidades;
3. Que seja incluída no Regulamento a
penalidade máxima (perda de pontos e/ou banimento) e responsabilização criminal
para pronunciamentos, comportamentos e atos de racismo, intolerância religiosa,
machismo, homofobia, etarismo, xenofobismo e qualquer tipo de discriminação;
4. Que se abra o debate sobre a
"camarotização" do carnaval que desrespeita o espetáculo dos
sambistas e o investimento do público das arquibancadas, promovendo um
apartheid, quando grandes empresas oferecem grandes shows e eventos de alto
custo, durante a passagem das escolas de samba, que se tornam secundárias,
quando na verdade são protagonistas da festa. Que haja negociação com as
empresas e patrocinadores, que limite horários de shows com atrações ao vivo;
5. Que a Liga das Escolas de Samba de São
Paulo apoie e atue na regulamentação da função do empurrador de carros
alegóricos, cuja função tem sido exercida por uma maioria de pessoas em
situação de rua e destacada atuação de homens e mulheres pretas, que vivenciam
humilhações na prestação de um serviço cada vez mais precário;
6. Que seja observado no
processo de seleção dos julgadores contratados, a equidade e igualdade de
oportunidade dos profissionais, promovendo um equilíbrio em relação à raça e
gênero, passando exigir como requisito experiência ou vivência profissional com
samba, escolas de samba e carnaval.
São Paulo, 27 de fevereiro de 2023
Membros do
Observatório Permanente e
Multidisciplinar de Combate ao Racismo no Carnaval das Escolas de Samba Paulistanas:
Adriana
Terra - Jornalista, Mestra e doutoranda em Filosofia pela FFLCH-USP, professora
e ritmista.
Claudia
Alexandre – Jornalista, Apresentadora de Rádio e TV, Mestre e Doutora em Ciência
da Religião, sambista, escritora e pesquisadora de sambas, escolas de samba e
tradições de matrizes africanas
Bruno
Baronetti – Professor, Doutor em História, escritor e pesquisador de cultura
popular brasileira
Moisés da
Rocha – Radialista e apresentador do programa O Samba Pede Passagem (Radio
USP FM)
Thobias
da Vai-Vai – cantor, sambista, presidente de honra da Escola de Samba Vai-Vai;
presidente de honra da Faculdade Zumbi dos Palmares
Lyllian
Bragança - Sambista, Passista do Carnaval Paulistano há 25 anos.
Em 2020
fundou o Coletivo Samba Quilomba, com o propósito de falar da história do
carnaval, além de abordar temas como: racismo, machismo e homofobia. É
jornalista e nos últimos 5 anos têm pesquisado sobre o carnaval. Escreveu para
o Jornal Notícias em Português de Londres; Revista Sampa; e Matraca Cultural.
Faz parte da Associação de Cultural e Educacional do Samba de Londres (Samba de
Bamba).
Maitê
Freitas – Jornalista, Mestre em Estudos Culturais. Idealizadora do Projeto
Samba Sampa e coordenadora da Oralituras Editora.
Juarez
Xavier - Ativista antirracista, possui graduação em Comunicação Social
Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1990), mestrado
- Programa de Pós Graduação em Integração da América Latina: comunicação e
cultura - Universidade de São Paulo (Prolam/USP, 2000) e doutorado - Programa
de Pós-Graduação em Integração da América Latina - Universidade de S. Paulo
(Prolam/USP, 2004). Atualmente é professor assistente doutor da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, e Vice-Diretor da Faculdade de
Arquitetura, Artes, Comunicação e Design [Faac/Unesp/Bauru] e do Fórum das
Vice-Direções da Universidade Estadual Paulista.
Osvaldo
Faustino – É jornalista desde 1976, além de escritor e estudioso de relações
étnico-raciais. Atuou como repórter em rádio, TV, revistas e vários jornais,
como Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, e como editor de Cultura do
Diário Popular. É coautor (com Aroldo Macedo) dos livros A cor do sucesso
(Gente, 2000), Luana, a menina que viu o Brasil neném (FTD, 2000), Luana e as
sementes de Zumbi (FTD, 2007) e Luana, capoeira e liberdade (FTD, 2007) e dos
gibis Luana e sua turma (Editora Toque de Mydas). É autor dos livros Nei Lopes
da coleção Retratos do Brasil Negro, e A legião negra – A luta dos
afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932 ambos editados pela
Selo Negro Edições. Colaborador da revista Raça Brasil desde sua criação.
Tadeu
Kaçula – Sambista, Sociólogo, Mestre e Doutorando em Mudança Social e
Participação Política (USP), membro do Grupo de Estudos Latino Americano sobre
Cultura e Comunicação (CELACC-USP), Escritor, Especialista em Cultura Afro
Brasileira, Comentarista do Carnaval pela GloboNews, Portal Terra e Rádio CBN.
Rede de
Apoio:
Associação
Nacional da Advocacia Negra do Brasil
Comissão
da Igualdade Racial OAB.SP
COJIRA-SP
– Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas do
Estado de São Paulo
Conselho
da Comunidade Negra do Estado de São Paulo
EDUCAFRO
– Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes de São Paulo
Universidade
Zumbi dos Palmares
UNEGRO –
União de Negras e Negros Pela Igualdade
Gabinete
Parlamentar da Deputada Leci Brandão
IDAFRO –
Instituto de Defesa das Tradições Afro-brasileiras
NFNB -
Nova Frente Negra Brasileira
UNAFRO –
Universidade Afro-brasileira
Coletivo
Acadêmicas dos Sambas
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