Xenia França apresenta Em Nome da Estrela

             Em seu segundo disco, Xenia França medita sobre os mistérios que 

guardam a resplandecência solene da alma 



Por Nathalia Grilo

Pesquisadora e curadora independente


Nutrido por simbolismos e percepções apuradas, Em Nome da Estrela revela-se como um  sofisticado estudo de caso íntimo que nasce do encanto entre a escuridão e o som na  confluência do brilho interior de uma negra mulher envolta em seus processos de auto  lapidação. 


Se em seu primeiro disco lançado em 2017 a espacialidade exterior e o estado de vigília  construíram a mitologia da obra, é no repouso sobre o silêncio e no alinhamento à  frequência dos sonhos que o segundo estágio da criação artística de Xenia se inicia. Em Nome da Estrela é uma declaração de confiança na força essencial que carregamos, a  negrura intuitiva que nos diz que renascer é preciso. E nessa vereda se faz imperioso o  reatar dos elos que nos conectam com a chave mestra da jornada de nossa existência, o  amor, o segredo de tudo, o Devir.


Quais são as tecnologias inerentes ao ser humano e a toda natureza que nos levam à  incessante transmutação? Quais são as forças que guardam as expressões criativas negras  em ondas contínuas que viajam pelo tempo? Em meio ao desassossego que floresce diante  dos movimentos naturais da vida surgem inquietudes que suscitam em Xenia elaborações  delicadas e taciturnas, fazendo brotar uma espécie de manifesto de antigas sabedorias,  anunciando que é no ouro-magia da pele noir que persiste o raio de quentura que dá vida a  todo universo, a luminescência solar. E como quem assevera um presságio, ao mergulhar  em suas sombras, Xenia generosamente não se destrói, descansa e escolhe mirar no seu  próprio brilho, recompondo o valor que carrega nas mãos: o resgate da memória ancestral e  a retomada do poder sobre si mesma. 


É no cruzo de nove faixas cintilantes feito nebulosas prenhes de harpas e atabaques que as  arquiteturas do spiritual jazz estão aqui recriadas. Numa codagem recôncava com ritmos e  blues africanos cromados por sintetizadores que pareiam o Orì e ampliam a visão, esta  constelação surrealista negra evoca vibrações de grandes mestres como Djavan quando  dita sua sentença “reserve o mito da magia só para você!”, e o Futurível Gilberto Gil quando  profetiza “o mutante é mais feliz!”. Com produção musical de Lourenço Rebetez, Pipo  Pegoraro e da própria Xenia, esta exaltação feita com esmeros de corpo celeste que  carrega luz própria legítima a razão do arquétipo estelar manifestar-se no nome da artista.


Como uma ode, esta obra é composta por harmonias sofisticadas e melodias que  despertam imaginações sencientes. Por entre fórmulas que não só extraem a obscuridade  dos instrumentos mas que também transmutam de forma inesperada o delinear de múltiplas  atmosferas, Em Nome da Estrela possui portais dimensionais abertos que intuem o  suspender do agora e geram alterações sônicas da consciência a cada canção desbravada. 


Xenia assina seis das nove composições do disco firmando autoridade sobre suas  frutificações, fluindo livremente e manifestando aprimoramento através de cantos entoados  como mantras de raro rumor colorido moldados feito o barro primordial. Com Lucas Cirillo parceiro também em outras canções - a cantora descreve o desafio existente na união entre as dimensões feminina e masculina, conjurando o princípio de gênero das Leis universais  sob a grandiosa regência de Arthur Verocai. Rico Dalasam alicerça sua presença invocando  Maya Angelou e preceitua: "Se ame!”, sob as bênçãos de Mãe Menininha do Gantois vem a  celebração que Xênia dedica à Dádiva d’Oxum incorporando na letra de Luiza Lian a  rendição de homenagens para a dona de sua cabeça. De modo vigoroso se faz presente a  imponência da Linguagem Percussiva Baiana ressoando a miríade da áurea trovejante do  maestro Letieres Leite sob camadas de pulsações e chamamentos litúrgicos negros do trio  Kainã do Jêje, Alysson Bruno e Ricardo Braga assentando o axé do disco. 


Este parimento é antes de tudo um movimento afetuoso de uma artista que se redescobre a  cada fase da vida, e que mesmo diante de apreensões decide acolher suas dores, solenizar  suas conquistas e buscar de tantas maneiras uma enraizada ligação com sua  ancestralidade na querência de ir além, tocando fabulosos futuros. De forma franca e  sincera, Xenia nos oferece signos de ouro, melanina e mel, elementos que, assim como  proferiu o poeta negro Cruz e Sousa, exaltam os estrelejamentos do Sonho.


Comentários