Liberdades religiosa e de manifestação reúnem direita e esquerda em julgamento simulado, com polêmica, mas civilidade

 


Evento no TJ-RJ contou com nomes de impacto no Direito nacional, em confronto de opiniões sobre caso emblemático do vereador do PT Renato Freitas, acusado de invadir igreja para protestar contra racismo

 

 Um caso de repercussão nacional no noticiário e nas redes ganhou, nesta quinta-feira (09/06), um julgamento simulado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde, diferentemente das mídias sociais, as discussões entre ícones de esquerda e direita foram acaloradas, mas com civilidade e respeito ao contraditório. Em questão, o racismo e as liberdades religiosa, de expressão e de manifestação.

 Notáveis do campo do Direito, como o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, atuaram na defesa, enquanto outro time, onde estava o deputado federal Hélio Bolsonaro (PL-RJ), fez a acusação. Tudo, na presença do réu de verdade, o vereador Renato Freitas, do PT de Curitiba (PR), que pode ter o mandato cassado pela acusação de invadir uma igreja católica com manifestação contra o assassinato do congolês Moïse Kabagambe, sob suspeita de motivações racistas.

 

“Ao lançar o evento, ouvi da direita que estava dando palanque para o Renato. A esquerda dizia que eu estava explorando a imagem do Renato. Esse debate que reúne os dois lados, raro no Brasil atual, é um sucesso. Não há democracia sem diálogo, sem conversa. Não podemos demonizar o outro. O maior propósito (do julgamento simulado) foi conseguido, que é o diálogo na diversidade”, disse o professor William Douglas, coordenador do simulado, organizado pelo Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF).

 

No banco dos réus

Freitas, que veio de Curitiba para o evento, teve oportunidade de fazer sua defesa, diante das equipes completas de acusação – além do deputado Hélio, estavam Paulo Cremoneze, advogado (SP); Ludmila Lins Grilo, professora de Direito Penal; e Marcelo Rocha Monteiro, promotor de Justiça e professor de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e de defesa (Kakay, Saul Tourinho Leal, advogado constitucionalista; Renato Ferreira, advogado e doutorando em Sociologia e Direito (UFF); e William Douglas, doutor em Direito Constitucional e professor, que, curiosamente, mesmo sendo de direita, estava contra a cassação.

 “Estou no banco dos réus. Junto comigo estão todos nós que temos o retrato falado do medo, do perigo. Vidas negras importam”, declarou o réu e vereador aos presentes à audiência ao vivo em transmissão no YouTube, no simulado presidido por Ivone Ferreira Caetano, a primeira juíza e desembargadora negra do Estado do Rio.

 Questionado pelo grupo da acusação sobre o motivo pelo qual entrou na igreja, Renato respondeu: “Entramos porque, terminada a missa, o padre saiu e perguntou a razão da nossa presença naquele local. Explicamos a representatividade daquela igreja que foi construída por pretos e para pretos”.

 


  Pontos principais da acusação

 O time da acusação destacou que o vereador não se responsabilizou pelo ato praticado, que a causa não envolve questão racial e o parlamentar cometeu um “crime ao invadir” um templo religioso e, por isso, não pode ser considerado injustiçado.  

 Deputado federal Hélio Bolsonaro: “A atitude de invadir um tempo religioso não é correta. Nós, parlamentares, temos que fazer discurso de paz e não de guerra. Quero pedir desculpas por todos que se sentiram ofendidos pelo ato do Renato”.

 

Advogado Paulo Cremoneze: “Renato não é um terrorista, mas também não é um injustiçado. Ele é um homem que, independentemente da vida que teve, invadiu uma igreja. E isso eu discordo”.

 Professora de Direito Penal, Ludmila Lins Grilo: “O dolo está perfeitamente configurado, a intenção da manifestação era perturbar a missa”.  

 Promotor de Justiça Marcelo Rocha Monteiro: “O ato de invadir uma igreja é que está em julgamento, e não a pessoa do vereador. E o fato é incontestável.”

 

Alegações da defesa

 A equipe de defesa ressaltou que não houve crime, e que Renato é mais uma vítima de racismo em um julgamento político para tirar dele o mandato concedido por parte da população de Curitiba.

 Advogado Kakay: “Estamos tratando de racismo. É inacreditável que tenhamos hoje um vereador acusado de invadir uma igreja, um espaço aberto para todos, após o culto. Se esse rapaz for cassado, estará cassada parte da sociedade brasileira. O Renato representa todos nós com sua coragem de mudar o mundo. Você é um orgulho”.

 Advogado Renato Ferreira: "Vão tentar despolitizar a raça e o racismo, e essa é a acusação que pesa sobre o Renato".

 Advogado constitucionalista Saul Tourinho Leal: “Ele já pediu perdão. Só quer a absolvição por entender que essa é a justiça para o seu caso”.

 Professor William Douglas: “Essa cassação mais a ilegibilidade por oito anos é arbitrária. Eu, baseado na Constituição, sou contra o banimento de Renato Freitas. Este seria o fim da carreira política dele”.

 

Participações especiais

 Em um embate de gerações, Frei David, da Educafro, de 70 anos, teve participação especial, assim como João Daniel, de 23, presidente da Associação Brasileira de Juristas Conservadores (ABRAJUC).

 

“Para mim, é motivo de missão estar aqui nesse momento. Infelizmente, Renato não é o único parlamentar afro perseguido no Brasil. Renato é só símbolo de uma causa”, declarou Frei David, em seu discurso.

 

João Daniel rebateu: “É preciso conservar os bons costumes e a ética. Tendo isso, todos seriam incapazes de invadir uma igreja aos gritos diante de vários idosos. A lei não pode tolerar condutas criminosas”.

 E qual o veredito?

 O veredito caberá a cada espectador, porque a ideia do simulado é justamente debater e refletir sobre temas sociais relevantes, sem a necessidade de uma sentença de condenação ou absolvição.


Crédito das fotos: Divulgação

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