Editora Hedra lança Projeto Luiz Gama com série de encontros virtuais - convidado de estreia: David Ribeiro Caixa de entrada

 

David Ribeiro

Editora Hedra lança Projeto Luiz Gama com série de encontros virtuais para discutir seu legado
O historiador David Ribeiro é o primeiro convidado


Durante cinco semanas, uma série de lives será exibida no Instagram da editora Hedra para celebrar o lançamento das Obras Completas de Luiz Gama. A atriz e ativista Jéssica Barbosa conduzirá as conversas sobre as ideias do pensador e abolicionista brasileiro. O primeiro convidado, no dia 8 de julho, às 19h, será o historiador David Ribeiro, que falará sobre o tema: Racismo em São Paulo: Luiz Gama e a história da cidade. Entre os nomes já confirmados para a série de encontros estão: Jones Manoel, Bruno Lima e o Dr. Zulu Araújo. As obras completas de Luiz Gama serão lançadas no dia 29 de julho - mais informações no release abaixo.

Com mais de 600 textos inéditos, coleção reúne obra completa de Luiz Gama

Após quase dois séculos de suas publicações originais, textos inéditos do advogado abolicionista revolucionam imagem e trajetória do pai do abolicionismo brasileiro


Poeta, advogado e abolicionista, Luiz Gama foi uma das mais destacadas figuras de seu tempo. Na contramão de sua importância, sua obra permaneceu praticamente incógnita até o momento, sendo conhecidas suas famosas Primeiras trovas burlescas e alguns artigos de jornal esparsos. Preenchendo essa lacuna histórica, a editora Hedra lança suas Obras completas, em um conjunto de mais de setecentos e cinquenta textos que desvelam as diversas esferas nas quais Gama atuou, sempre com a pena satírica em punho que o fez colecionar inimizades e indisposições ao longo de toda a vida.

Cerca de 80% dos textos ainda são desconhecidos do público, totalizando uma média de 600 escritos. Talvez a estrutura racializada da sociedade brasileira, que excluiu do cânone importantes autores e autoras negros, seja uma das explicações para essa ausência. Outra explicação pode estar na diversidade de pseudônimos que Gama utilizava para assinar seus textos, afora os sem nenhuma assinatura --- algo em torno de 50% dos inéditos. Tendo em perspectiva que, em 1870, o autor advogava pela libertação de 217 escravizados em um único processo, é de se imaginar as ameaças que recebia e a quantidade de animosidades entre os senhores escravistas que mobilizava, levando-o a disfarçar a autoria de seus escritos.

Afora as diversas denúncias e críticas que tecia a personalidades políticas proeminentes. Juízes que, por decisão própria, intensificavam as torturas a escravizados fugitivos, políticos que assassinavam-nos por prazer, senhores da lei que distorciam a Constituição para satisfazer os interesses da elite econômica --- são essas as personalidades que Gama atacava e que levaram-no a ser destratado e ameaçado de morte em diversas situações. Mesmo o celebrado escritor José de Alencar, quando foi ministro da Justiça, publicou nota elogiando a demissão de Gama do cargo de amanuense da Secretaria de Polícia, alegando que o advogado era uma ameaça à ordem pública. Aquela ordem, efetivamente, estava sendo atacada e desmoralizada pelo advogado: nem D. Pedro II escapou às suas ameaças, sendo relembrado por Gama, em carta pública, que a cabeça dos reis são decapitadas quando não seguem os interesses da população. 

O pesquisador Bruno Rodrigues de Lima, doutorando em História do Direito pela Universidade de Frankfurt, pesquisou por nove anos esses textos inéditos em arquivos da imprensa e do judiciário paulista, fluminense, gaúcho, paranaense, mineiro e baiano. O estilo característico de Gama, um repertório de metáforas comuns e pouco usuais à época, comparações de ocorrências lexicais e o cruzamento de assuntos e casos jurídicos em textos e correspondências anteriores de Gama foram alguns dos fatores que permitiram a definição da autoria de textos assinados por Bandarra, Cabrião, Barrabraz ou Spartacus, para ficar em alguns poucos pseudônimos empregados por Gama.


Jéssica Barbosa 


Outra descoberta reveladora do pesquisador foram os textos publicados no pouco conhecido Democracia, jornal que circulou entre dezembro de 1867 e julho de 1868. Espécie de sucessor do Cabrião, a famosa publicação satírica de Angelo Agostino, o Democracia tinha Gama como um dos chefes de redação. Tal era a intimidade com os meandros da redação que, em 1881, Gama enviava um documento privado de José Bonifácio a um jornalista do Almanaque literário de São Paulo, documento que aparecera em 1868 no Democracia, sob a assinatura de Cincinatus --- provavelmente atribuída pelo próprio Gama ao amigo José Bonifácio. Em condições precárias, o Democracia conservou uma grande quantidade de inéditos do advogado, que então deixava muitos artigos sem assinatura, ou com as rubricas de Ultor, Democrata ou Afro. 

O uso de pseudônimos se referia também ao próprio movimento satírico e humorístico do texto de Gama. Em peças jurídicas que, muitas vezes, atingiam as tintas dramáticas e trágicas de peças teatrais, ele usava pseudônimos que referenciavam diretamente o universo teatral de então. É o caso do estranho Thadeu de Kikiriki, ecoando possivelmente a paródia Orfeu na roça, de Francisco Correa Vasques. Em todo caso, é delicado e difícil pensar em autorias na imprensa nacional da segunda metade do século XIX. “Num mundo de nomes, pseudônimos, conflitos, assuntos e interesses partidários difíceis de se compreender e caracterizar”, alerta o organizador, cabe ao leitor redobrar a atenção às relações e vínculos tecidos pela borbulhante mente de Luiz Gama. Borbulhante tal o fogo da liberdade, nas eloquentes palavras do poeta: “Em nós até a cor é um defeito, um vício imperdoável de origem, o estigma de um crime; e vão ao ponto de esquecer que esta cor é a origem da riqueza de milhares de salteadores, que nos insultam; que esta cor convencional da escravidão, como supõem os especuladores, à semelhança da terra, através da escura superfície, encerra vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade”.

Para ajudar o leitor a adentrar nesse imbricado universo de referências mitológicas, jurídicas e de personalidades da Gama, as edições das coleção contam com um rico aparato crítico composto por índices remissivos, milhares de notas explicativas e pequenos resumos para cada seção temática e texto do autor. A partir do primeiro volume, que se inicia com a conhecida poesia de Gama, até o volume com seus textos finais, traça-se um panorama da vida de Gama que, ao mesmo tempo, não deixa de ser a própria gênese e desenvolvimento do movimento negro e abolicionista no país. É patente como o autor, que iniciara a carreira literária na poesia, inclina-se progressivamente ao direito e à defesa de causas de liberdade, sem deixar de empregar em seus textos, por toda a vida, o rico repertório metafórico e satírico que o deixaram conhecido desde a publicação um poema como “Quem sou eu?”. Nesse panorama, percebe-se como Gama foi elaborando e construindo sua ação política através da imprensa, tendo sempre a opinião pública como uma aliada contra tribunais tão hostis à causa abolicionista. Ao final da vida, o advogado formara gerações inteiras de militantes e políticos contra a escravidão. Num dos últimos textos do volume Democracia, o velho Gama escrevia aos discípulos para que, com o dinheiro que intentavam gastar para homenagear o mestre com um retrato, libertassem um escravizado cuja história Gama vinha acompanhando. Até o último momento, o homem não se divisou da grande obra que construía para o Brasil e de um projeto de nação justa, igualitária e livre.




Obras Completas de Luiz Gama

 

Vol. 1: Poesia (1859-1865)

Vol. 2: Profecia (1862-1865)

Vol. 3: Comédia (1866-1867)

Vol. 4: Democracia (1866-1869)

Vol. 5: Direito (1870-1875)

Vol. 6: Sátira (1876)

Vol. 7: Crime (1877-1879)

Vol. 8: Liberdade (1880-1882)

Vol. 9: Justiça (1850-1882)

Vol. 10: África-Brasil (1850-1882)


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Nota sobre o organizador:



Bruno Rodrigues de Lima é paulistano, 32 anos, graduado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB - Salvador), mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e doutorando em História do Direito pela Universidade de Frankfurt, Alemanha, com tese sobre a obra jurídica de Luiz Gama. Trabalha, também em Frankfurt, no Instituto Max Planck de História do Direito e Teoria do Direito. Pela EDUFBA, publicou o livro Lama & Sangue - Bahia 1926 (2018).

 

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