[TEATRO SP] “Pai Contra Mãe ou Você Está me Ouvindo?" - Peça do Coletivo Negro, inspirada em conto de Machado de Assis, volta aos palcos de SP em temporada popular e gratuita.
“Pai Contra Mãe ou Você Está me Ouvindo?”
Peça do Coletivo Negro, inspirada em conto de Machado de Assis, volta aos palcos de SP,em temporada popular e gratuita
Foto Marcelle Cerutti
Com direção e dramaturgia de Jé Oliveira, a adaptação do conto machadiano reestreia (31/05 a 09/06) no Galpão Folias, em Santa Cecília, com sessões a preço popular, e segue gratuitamente para o Teatro Arthur Azevedo (12 a 22/06), na região da Mooca. A peça aborda a herança escravocrata e sua permanência nas desigualdades raciais de hoje.
O Coletivo Negro, grupo dedicado à pesquisa cênico-racial e à criação de narrativas que entrelaçam arte e urgência histórica, reestreia o espetáculo "Pai contra Mãe ou Você está me Ouvindo?", livremente inspirado no conto de Machado de Assis. A montagem reúne os três integrantes fundadores do grupo em cena, ao lado de um trio de músicos convidados que executam ao vivo a trilha sonora original, com direção musical de Guilherme Kastrup — vencedor do Grammy com o disco "A Mulher do Fim do Mundo", de Elza Soares. Contemplada pela 18ª edição do Prêmio Zé Renato, a produção marca os 17 anos do Coletivo Negro reafirmando sua relevância no teatro político contemporâneo.
A montagem tem como ponto de partida a sentença final do texto de Machado — “Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.” —, que ressoa como síntese da crueldade de uma herança escravocrata ainda presente nas estruturas sociais brasileiras. Ao focar na trajetória de Candinho, homem negro desempregado e desesperado por sustentar a família, a dramaturgia expande o conto machadiano em direção a um campo de fricção com o presente.
“A encenação se inspira na reflexão de Achille Mbembe, que afirma: ‘o negro é o único cuja carne foi convertida em mercadoria’. Por isso, deslocamos parte da ação para o ambiente de um supermercado, símbolo da mercantilização do corpo negro. Essa recriação não apenas revê a violência histórica da escravidão, como propõe uma analogia direta com o racismo estrutural contemporâneo.”
– Jé Oliveira
A adaptação também tensiona as formas tradicionais de se encenar Machado de Assis. Para Oliveira, sua obra não pode ser dissociada da negritude de seu autor nem interpretada de forma escapista às questões raciais. O espetáculo, assim, busca ressignificar o conto, evidenciando as continuidades entre o Brasil escravocrata e o Brasil de hoje.
“A analogia de corpos como mercadoria num supermercado nos parece determinante. Quando uma mulher negra é mantida em cárcere por mexer na própria bolsa ou seguida dentro de uma loja, isso não é exceção — é estrutura. Segundo levantamento do Observatório do Terceiro Setor, quase 70% das pessoas negras afirmam já terem passado por isso”, pontua o diretor.
A montagem reúne todos os membros fundadores do Coletivo Negro — Aysha Nascimento, Flávio Rodrigues, Jé Oliveira e Raphael Garcia — em uma criação coletiva que reafirma a maturidade do grupo e sua relevância no teatro político contemporâneo. Com direção musical de Guilherme Kastrup (vencedor do Grammy com A Mulher do Fim do Mundo, de Elza Soares), a trilha é executada ao vivo, somando à encenação um pulso rítmico que costura cena, corpo e tempo.
SINOPSE
Um narrador nos conta a história de Zaíra da Conceição, mulher negra, retinta, grávida. E de Osvaldo, homem negro que acaba de se tornar pai. Ela está desempregada; ele acaba de ser contratado por uma rede de varejo. Zaíra sofre uma acusação infundada de roubo no supermercado. A partir daí, dois destinos colidem em uma disputa imposta pelas estruturas da desigualdade: pai contra mãe.
A MÚSICA NA CONSTRUÇÃO CÊNICA
A fusão entre teatro e música em Pai contra Mãe ou Você está me Ouvindo? ultrapassa a função de ambientação sonora e torna-se elemento essencial da narrativa. Em cena, um trio de músicos acompanha os intérpretes e dialoga com a ação: Lua Bernardo (baixo acústico e elétrico, sopros e voz), Maurício Pazz (bandolim e guitarra Afro Atlântica) e Thiago Sonho (percussão, bateria, samplers e voz).
No contexto do teatro épico, a música assume o papel de comentar a ação, criar contrastes e intensificar a experiência estética e emocional do público.
“Com seu poder de síntese, as canções originais, executadas por uma banda ao vivo, podem acessar outras formas de fruição, podendo ir além do intelecto. Isso enriquece muito a obra, ajudando a alcançar também outros públicos, com interesses diversos, no que diz respeito à linguagem do espetáculo.”
– destaca o encenador.
Ao se tornar elemento estruturante da encenação, a música aproxima a montagem de diversas tradições cênicas e expande seu alcance, promovendo uma experiência mais sensorial, imersiva e acessível a públicos com diferentes formações e sensibilidades.
O Coletivo
Com 17 anos de existência, o Coletivo Negro se estabeleceu como uma referência no teatro brasileiro ao pesquisar a identidade afrodescendente e suas múltiplas representações na cena contemporânea. Formado por artistas vindos da Escola Livre de Teatro de Santo André e da Escola de Arte Dramática da USP, o grupo nasceu do desejo de promover novas narrativas e perspectivas negras no campo das artes cênicas, aliando pesquisa, experimentação e engajamento social.
A estreia oficial aconteceu em 2011 com Movimento Número 1: O Silêncio de Depois..., montagem que marcou o início de um percurso premiado, incluindo indicações ao Prêmio Cooperativa Paulista de Teatro nas categorias Grupo Revelação e Melhor Elenco. Desde então, o grupo consolidou seu trabalho com a criação de espetáculos como {ENTRE}, Revolver (premiado em Luanda, Angola, 2017), Farinha com Açúcar ou Sobre a Sustança de Meninos e Homens (em cartaz há nove anos e semifinalista do Prêmio Oceanos), Ida, Catula e F.A.L.A – Fragmentos Autônomos sobre Liberdades Afetivas (2018).
Além das temporadas em São Paulo, o coletivo apresentou seus espetáculos em diversos estados brasileiros e no exterior. Com um repertório que atravessa questões sociais, históricas e políticas, o Coletivo Negro reafirma sua importância na construção de um teatro comprometido com a memória e a resistência da população negra.
Ficha Técnica
Idealização, Concepção, Dramaturgia e Direção Geral: Jé Oliveira
Assistência de Direção: Rodrigo Mercadante
Atuação: Aysha Nascimento, Flávio Rodrigues, Raphael Garcia
Direção de Movimento e Coreografia: Aysha Nascimento
Direção Musical: Guilherme Kastrup e Jé Oliveira
Banda ao vivo:
Baixo Acústico e Elétrico, Sopros e Voz: Lua Bernardo
Bandolim, Violão, Guitarra, Cavaco e Voz: Maurício Pazz
Percussão, Bateria, Samplers e Voz: Thiago Sonho
Composições Originais: Jé Oliveira e Jonathan Silva
Melodias: Jonathan Silva
Arranjos: Guilherme Kastrup, Jé Oliveira, Lua Bernardo, Maurício Pazz e Thiago Sonho
Preparação de canto: William Guedes
Videografia: Bianca Turner
Desenho de Luz: Matheus Brant
Assistência e Operação de Luz: Aline Sayuri
Figurinos: Eder Lopes
Costureira: Nininha Lopes
Cenografia: Flávio Rodrigues
Cenotécnico: Wanderley Wagner
Serralheiro: Mauricio Batista
Engenharia de Som: Tomé de Souza
Contrarregras: Flávio Serafin e Helen Lucinda
Fotos: Marcelle Cerutti e Matheus José Maria
Identidade Visual: Murilo Thaveira
Participação em Vídeo: Lilian Regina e Sidney Santiago Kuanza
Estudos teóricos e oficinas: Aysha Nascimento, Flávio Rodrigues, Jé Oliveira e Raphael Garcia
Produção Executiva: Catarina Milani
Assistência de Produção: Éder Lopes
Produção Geral: Gira Pro Sol Produções – Jé Oliveira
Assessoria de Imprensa: Pedro Madeira e Rafael Ferro
SERVIÇO
Pai contra Mãe ou Você está me Ouvindo?
GALPÃO FOLIAS
Av. Ana Cintra, 213 – Santa Cecília – São Paulo – SP
Sáb, 31/05, às 18h e 21h | Dom, 01/06 às 18h e 21h
Qui, 05/06, às 18h e 21h | Sex, 06/06, às 18h e 21h
Sáb, 07/06, às 17h - Bate Papo e apresentação às 21h
Dom, 08/06, às 18h | Seg, 09/06, 18h e 21h
Ingressos: R$ 40 (int), R$ 20 (meia) e R$ 10 para Moradores da Santa Cecília – vendas na bilheteria local e no Sympla: https://www.sympla.com.br/
TEATRO ARTHUR AZEVEDO
Av. Paes de Barros, 955 – Mooca – São Paulo – SP
Qui, 12/06, às 17h e às 21h | Sex, 1306, às 17h e às 21h
Sáb, 07/06, às 17h, Mesa de debate com convidados: Luis Alberto de Abreu e Márcio Abreu (Gratuito)
Sáb, 14/06, às 21h | Dom, 15/06, às 19h
Qui, 19/06, às 17h e às 21h | Sex, 20/06, às 17h e às 21h
Sáb, 21/06, às 21h | Dom, 22/06, às 19h
Entrada gratuita - Retirada de ingressos 1h antes de cada sessão
Duração: 90 minutos
Classificação indicativa: 16 anos
MINI BIO DOS REALIZADORES
JÉ OLIVEIRA
Ator, diretor, dramaturgo, cientista social e mestrando na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Concebeu, atua e dirige o espetáculo "Gota D’Água {PRETA}", obra que lhe rendeu o Prêmio APCA de Melhor Direção em 2019, sendo o primeiro homem negro contemplado nesta categoria. Possui oito peças escritas e encenadas, com destaque para "Farinha com Açúcar ou Sobre a Sustança de Meninos e Homens", obra tributária ao legado dos Racionais MC’s, publicada pela Editora Javali e semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura (2019). É um dos fundadores do Coletivo Negro, grupo criado em 2008, voltado à pesquisa de gênero, classe e raça nas artes cênicas.
AYSHA NASCIMENTO
Artista da dança e do teatro. Atriz, dançarina, diretora, curadora e preparadora corporal. Formada pela Escola Livre de Teatro de Santo André (2007) e licenciada e bacharel em Dança pela Universidade Anhembi Morumbi (2018). Mestre em Artes da Cena e Mediação Cultural pela Escola Superior de Artes Célia Helena, em parceria com o Itaú Cultural (2024). Fundadora da Cia. dos Inventivos (2004) e do Coletivo Negro (2008). Desde 2019, integra como intérprete-criadora o Núcleo AJEUM, companhia de dança negra contemporânea.
FLÁVIO RODRIGUES
Formado pela Escola Livre de Teatro de Santo André (2007). Fundador da Cia. d’Os Inventivos (2004), do Coletivo Negro (2008) e do projeto Diásporas (2018). Atuou e dirigiu diversas montagens, com destaque para “F.A.L.A.”, “Viva as Grandes Figuras”, “Um canto para Carolina”, “IDA” e “Revolver”. Atuou em companhias como o Pessoal do Faroeste, Barata Albina e Fabulosa Cia. Tem trajetória marcada por obras de linguagem híbrida, com foco em teatro negro e de rua, tendo também realizado direções e dramaturgias próprias.
Fundador do Coletivo Negro. Atuou em “Movimento número 1: O silêncio de depois...”, “Revolver” e “F.a.l.a.”, e dirigiu “Entre”. Formado pela EAD-USP, trabalhou com diretores como Georgette Fadel, Iacov Hillel e Mário Piacentini. Atuou nas companhias Bartolomeu de Depoimentos, Pessoal do Faroeste, Os Crespos e Trança de Teatro. Dirigiu o espetáculo “Corpo Notícia – relatos sobre o amor e a violência”. Ganhou o Prêmio Aplauso Brasil por “Navalha na carne negra”. Atuou em “Um Inimigo do Povo”, com José Fernando Peixoto de Azevedo. Participou de festivais em Angola e Costa do Marfim. Foi artista docente na SP Escola de Teatro.
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