FABRÍCIO DE OLIVEIRA CONTA SUA VIDA - SUBURBIA


 Fonte: Museu da Pessoa  / Rede Globo



 
Fotos: Divulgação / Preta Joiaº








Eu precisava falar tranquilamente, olhando no olho. Então eu descobri que eu podia fazer isso na vida também.

Minha mãe é muito pudica, pelo que ela conta, e meu pai é um cara louco, farrista total. Mas meu pai também faz o cara gente boa, então eu acho que ele conquistou meu avô, que era um cara difícil, por isso. Ele começa namorar, esse cara doido, mas vai se enquadrando um pouco pra ficar com a minha mãe. Casaram-se e foram morar em Brotas. Eu nasci em Itapuã e fui pequeno morar em Brotas, que é um bairro enorme.

Meu pai hoje é aposentado, mas foi petroquímico a vida inteira. Trabalhou no polo petroquímico de Camaçari, que é próximo a Salvador. Minha mãe é funcionária pública, já tinha sido atriz mais jovem. Logo quando casou parou, porque ficou grávida do meu irmão e depois funcionária pública. Ela trabalhou no ICEIA, no Teatro Castro Alves, na Biblioteca Central.
A minha história com teatro começa aí, com o trabalho da minha mãe.

Eu sempre gostei de dançar. Então a gente tinha uma turminha no bairro que era de dançar e jogar vôlei, que era meu vício maior. Eu era o cara da rede e da bola. E sempre fui muito brigão, então briguei muito por conta dessa história de vôlei e de bola na minha adolescência. Mas é isso que eu fazia mais, jogava vôlei, fiz natação, caratê, capoeira, muito esporte. Com uns 15 anos eu fiz balé clássico, que a minha mãe me matriculou. Eu fui, achei o máximo! Eu tinha que ficar carregando as meninas. Homem, alto, com 15 anos de idade... Então nas apresentações eu só carregava as meninas. Era tipo uma roupinha, um collant, e eu ficava carregando. Eu me diverti mesmo de verdade! Mas aí eu comecei a dançar. Tinha um amigo do meu pai que tocava na Banda Mel, então eu comecei. A dança sempre me acompanhou na minha história. Mais pra frente eu comecei a dar aula, dancei num grupo e depois comecei a dar aula em academia de dança, com 18, 19 anos, viajava os interiores da Bahia dando aula de swing baiano. Eu tenho esse passado.

No ano que eu prestei vestibular, não passei de primeira, eu tentei pra Direito. Eu achava que seria advogado. E até por eu ser um aluno estudioso, de ter notas boas, achava que deveria ter uma profissão que ganhasse uma grana. Aí tomei pau nas duas universidades públicas que eu fiz. Fiquei burilando. Uma namorada, Mirela, já tinha me falado: “Fabrício, tu é ator, garoto, a sua é arte”. E resolvi prestar vestibular de novo no ano seguinte pra Teatro, como primeira opção. Artes Cênicas, na Federal, e Dança como segunda opção. Passei pra Artes Cênicas em quarto lugar. Quando é coisa que você quer mesmo, você vai! Tem outros lugares que você aciona, do destino, sei lá! E foi incrível. A faculdade pra mim foi outro passo de mudança. Mas a grande parada da faculdade pra mim foram os amigos que eu fiz. Éramos seis, que a gente se conheceu nesses primeiros testes e ficamos muito próximos. Eu hoje sou ator que eu consigo ver coisas minhas em cada um deles, da troca!

No meu primeiro ano da faculdade, eu entrei pra um grupo de teatro que era a Companhia Baiana de Patifaria. Comecei a fazer “Capitães da Areia” com eles, eu com 19 anos, ganhando mil reais por semana naquela época! Falei: “Opa. Então daqui! Tá funcionando”. Aí aconteceu uma coisa louca, eu não parei mais de trabalhar com o teatro. Desde então eu vivo só fazendo teatro como ator e me sustentando! Eu tava querendo sair de casa, liberdade, poder fazer as coisas do meu jeito. Meus pais eram ótimos, mas eu queria viver o mundo no meu recorte. Eu lembro que um dia eu falei: “CHEGA! CHEGA! To saindo de casa agora”. Dali eu nunca mais voltei pra morar em casa não!

Fiz uma campanha eleitoral, uma coisa bizarra, mas foi ótima porque foi o meu sustento. Depois dessa campanha, eu virei garoto propaganda do cara que ganhou. Aí eu viajava, e foi uma experiência linda na minha vida. A gente viajava de 15 em 15 dias pelo interior da Bahia. Daí eu emendei com “A máquina”, que foi o filme do João Falcão, e fiz duas peças em Salvador.
Depois eu fiz “Cidade dos Homens” e fiz o teste pra “Sinhá Moça”, e já mandei trazer minha mala pro Rio, falei: “Pai, traz tudo pra cá que eu já vou ficar por aqui”. Eu tava com malas prontas. Vim pro Rio, e fui morar na zona sul, em Botafogo, e foi um Rio que se abriu pra mim, de gente de esquina, de boteco, de papo, de encontrar outros atores de teatro.

Eu sou gago desde pequeno. Fiz fono a minha vida inteira. Hoje eu consigo diagnosticar isso: medo de falar com as pessoas, de olhar para as pessoas, muito retraído. A loucura é muito mais psicológica, muito mais nesse espaço. Eu comecei a descobrir que tinha a ver com a minha insegurança. E comecei a sacar que eu precisava respirar e ter calma pra isso. Isso eu fui descobrindo com a vida. E comecei a perceber que toda vez que eu tava em cena eu não gaguejava. Eu pensei: “Porque eu penso antes, sei o texto que eu vou falar, já sei bonitinho o que eu vou falar!” Então eu preciso chegar e falar com calma, olhar pra pessoa. Fui descobrir isso dentro da arte, porque de algum jeito eu fazia personagens e pessoas. Eu precisava falar tranquilamente, olhando no olho. Então eu descobri que eu podia fazer isso na vida também.

Depois da novela eu emendei o “Sítio do Pica Pau Amarelo” e a “A Favorita”. Nesses anos eu fui emendando novelas, recomeçando. Parava, terminava, voltava pra cá, alguém me ligava e falava: “Ei, tem um trabalho aqui”. Fiz o “Sítio”, que foi uma experiência linda. Eu fazia o Saci. Foi incrível, porque foi despertar de novo uma coisa infantil e de lidar com o meu jeito meio pirracento. Eu fazia esse Saci mais malandro, provocador. Entrei depois para a Companhia de Teatro Íntimo, que é daqui do Rio de Janeiro. É uma linguagem muito bacana. Depois fui trabalhar com Amir Haddad, que foi incrível, foi ótimo. Até hoje eu sou meio do Tá Na Rua, frequento, de teatro de rua de verdade.

E agora Suburbia. Com atores maravilhosos, muita gente nova. Esse frescor. E se eu to fazendo um bom trabalho, ninguém tem que estar lembrando o que eu já fiz. É a primeira vez naquele instante, naquele presente. Eu tenho que tentar manter como se fosse a primeira vez, no meu olhar, no meu jeito de fazer, não ficar preso nas coisas que eu já sei que funcionam. Tem que deixar vazar. E isso eu consigo beber muito com esses meninos.

Meu personagem, o Cleiton é um cara que não reclama da vida. Ele soluciona. É um aprendizado pra mim isso, por que ele vai solucionando a vida sempre, não tem olhar pra trás, não tem nem desejar tanto à frente. Apareceu, vem cá que eu resolvo. Começa um garoto supertímido, com essa persona de alguém que perdeu muito. Ele tenta se abrir na vida, só que a vida vai levando-o pra outro lugar. Ele vai tentando achar que persona é essa dele. É esse menino atrás de um “eu”. Eu incorporo essas personas inteiras que eu fui na minha vida. Essas personas inteiras, do garoto gago, tímido, de aparelho, de óculos, para o garoto já mais bem resolvido, mais seguro, para o homem com outro comportamento, menos agressividade, mais observação. Acho que o Cleiton é um pouco desse mito humano, da saga, dessas fases todas que a gente passa na vida, de uma construção de uma persona, a construção de uma identidade. Acho que o Cleiton representa essa saga do humano à busca do “eu”.


















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